A queda de braço entre STJ e STF sobre os honorários de sucumbência
O Supremo Tribunal Federal reconheceu, no último dia 9 de agosto, a repercussão geral do RE 1.412.069 (Tema 1.255) para analisar a possibilidade da fixação dos honorários de sucumbência por apreciação equitativa, quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados.
O recurso afetado foi interposto contra o acórdão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) proferido quando do julgamento do Tema 1.076, que definiu o alcance do § 8º do artigo 85 do Código de Processo Civil, estabelecendo não ser possível a fixação da verba honorária pelo critério da equidade, a menos que o proveito econômico obtido pelo vencedor seja inestimável ou irrisório ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo.
O julgamento do leading case do Tema 1.076 foi realizado pela Corte Especial do STJ em março de 2022, oportunidade na qual apertada maioria (7 a 5) entendeu por bem dar interpretação literal ao dispositivo de lei, afastando, como dito, a possibilidade de arbitramento dos honorários por equidade.
Após a publicação do acórdão, a União interpôs RE, que foi admitido pela presidente da Corte, ministra Maria Thereza de Assis Moura, sob a justificativa de que o STF “recomendou que, nos feitos representativos de controvérsia, ainda que se vislumbre questão infraconstitucional, o recurso extraordinário seja admitido de forma a permitir o pronunciamento da Suprema Corte sobre a existência, ou não, de matéria constitucional no caso e, eventualmente, de repercussão geral“.
No Supremo, a análise da repercussão geral do tema no Plenário Virtual foi iniciada em 2/6/2023 e, considerando o empate ocorrido (5 a 5), só terminou em agosto, após a nomeação do integrante que completou a composição da corte.
O ministro Cristiano Zanin desempatou a votação ao acompanhar o voto do ministro Alexandre de Moraes, que reputou a questão constitucional e reconheceu a existência de repercussão geral. Na manifestação de Moraes, no entanto, nada foi dito a respeito da necessidade de se suspender, em nível nacional, os processos ativos que discutam o tema em análise, conforme previsão contida no § 5º do artigo 1.035 do CPC [1].
O silêncio da Corte significa (ou, ao menos, deveria significar) que a tramitação dos processos nos quais haja discussão idêntica à do tema afetado não deve ser paralisada. Essa parece ser a interpretação mais acertada, inclusive considerando o entendimento já exarado pela própria corte no sentido de que o sobrestamento previsto no artigo 1.035, § 5º, do CPC não é uma consequência automática do reconhecimento da repercussão geral, mas depende de expressa ordem do relator (vide QO no RE 966.177).
A despeito disso, o STJ tem realizado o sobrestamento de casos nos quais haja discussão sobre a aplicação do critério da equidade, ainda na análise do recurso especial. Para ficar mais claro, não estamos falando da aplicação da regra contida no artigo 1.030, inciso III, do CPC, que prevê a possibilidade de sobrestamento do processo no momento da admissibilidade do recurso extraordinário pelo tribunal a quo. Essa hipótese, pela dicção do Código, seria legítima, mas situação aqui é outra.
O que tem acontecido no Tribunal da Cidadania é o sobrestamento sistemático da análise dos recursos especiais nos quais haja indicação de violação aos parágrafos do artigo 85 do CPC. E o mais grave, em alguns casos, o sobrestamento é realizado mesmo quando essa não é a única discussão posta no recurso. Ao nosso sentir, o sobrestamento, em qualquer dessas situações, somente poderia ocorrer caso o Supremo o tivesse determinado, nos termos do 1.035, § 5º.
A decisão de sobrestar a análise do REsp sem que tenha havido expressa determinação nesse sentido, nos parece uma conduta processualmente equivocada, ainda mais considerando que a matéria já foi analisada pela corte em sede de repetitivo e o posicionamento fixado, pela literalidade da lei, deveria ser aplicado desde a publicação do acórdão paradigma.
Ainda mais preocupante, é o sobrestamento dos casos em que a discussão sobre honorários não é a única, isso considerando que o julgamento de um tema de repercussão pode demorar muitos meses e até anos para ser realizado. Nesse cenário, não parece razoável paralisar o processo para aguardar a definição quanto à discussão que possui caráter acessório em relação à pretensão recursal principal.
Aliás, foi exatamente observando o caráter acessório dessa matéria que o próprio STJ, quando da afetação do Tema 1.076, decidiu afastar a determinação de suspensão nacional prevista no artigo 1.037, II, do CPC. Na ocasião, o ministro Og Fernandes destacou que tal ordem “provocaria a suspensão de uma quantidade incalculável de causas a fim de tratar de tema que não configura o cerne das demandas“.
Ora, se o STJ entendeu que não era razoável suspender a tramitação dos processos quando afetou o tema para julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos, não faz sentido que agora, quando já há pronunciamento vinculante por ele proferido, deixe de analisar os apelos especiais que contemplem a matéria, mormente aqueles que não tratem exclusivamente de honorários.
Deve-se ter em mente que o legislador, ao criar os regramentos que preveem o sobrestamento da análise de processos para privilegiar a sistemática de precedentes criada pelo Código, teve o objetivo de garantir a segurança jurídica, a previsibilidade e a uniformidade na prestação jurisdicional, o que é altamente desejável e, até mesmo, louvável.
O que não se vislumbrou — e provavelmente nem seria possível — foi a externalidade negativa que esse tipo de conduta processual poderia gerar em algumas circunstâncias, tais como as aqui tratadas. Nessas situações, o sistema criado pelo Código deixa de ser eficiente e passa a gerar um ônus excessivo para a parte.
Para evitar esse tipo de consequência negativa, é necessário que os tribunais apliquem o sobrestamento de casos com estrita observância dos regramentos do Código e, para além disso, com razoabilidade e coerência processual.
[1] Art. 1.035.
[…]
§ 5º. Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.
Danúbia Souto de Faria Costa é head de tribunais superiores do Castro Barros Advogados, pós-graduada em Direito pelo Instituto dos Magistrados do Distrito Federal (Imag) e LLM em Processo e Recursos no Tribunais Superiores pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).
Brenda Teles de Freitas é advogada pleno do Castro Barros Advogados, pós-graduada em Direito Empresarial na modalidade legal law master (LLM) pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais do Distrito Federal (Ibmec-DF).
https://www.conjur.com.br/2023-out-20/costa-freitas-queda-braco-honorarios-sucumbencia