Contencioso e Arbitragem
Estadão

Basta!

Os cariocas e os habitantes dos mais de 60 municípios fluminenses que a Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro (Cedae) está encarregada de atender só podem estar pagando pelos pecados que cometeram e/ou cometerão. E estão pagando caro…

A Geosmina e os demais integrantes dos reinos animal, vegetal e mineral potencialmente nocivos que temperam a água fornecida pela Cedae prometem permanecer entre nós por muito tempo. Aliás, há muito boa parte deles transita pelos nossos corpos. Temos de dar um basta nisso e na inércia e desrespeito à população que, faz muito tempo (senão, desde sempre), caracteriza a conduta da concessionária.

A primeira fase da reação já ocorreu: a população foi alertada pela imprensa. Entretanto, tratando-se de Brasil, a mim me parece não ser o suficiente. Posso estar errado – e tomara que esteja -, mas não estou vendo uma movimentação clara por parte dos entes governamentais e não-governamentais, ações enérgicas o bastante; ao menos, até o momento.

Enquanto isso – apesar de a Cedae dizer que o líquido fornecido é perfeitamente potável – grande parte da população é obrigada a ingerir uma água com aroma e sabor desagradáveis (para não falar da cor). Outra parte – percentual muito menor, infelizmente -, mais afortunada, tem uma alternativa: água mineral.

Isso não pode ficar assim. A Cedae é uma sociedade de economia mista, controlada pelo Estado do Rio de Janeiro. Esse tipo de empresa, apesar de seu acionista controlador, é regido pelas normas de Direito privado, dentre estas, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor.

Neste ponto, acho que vale um esclarecimento: como o objetivo deste artigo é alertar os leigos nas questões jurídicas, é importante deixar claro que a relação mantida pela Cedae com seus clientes é contratual. E um dos princípios que norteia contratos como esse é o de que não se pode exigir de uma das partes o cumprimento de sua obrigação se a outra não cumprir a que lhe compete.

Porém, não basta cumprir a obrigação de fornecer água, tal como a Cedae vem fazendo; o cumprimento tem de ser adequado. Cumprimento inadequado equivale a cumprimento nenhum (Exceptio non rite adimpleti contractus). Logo, todos deveriam ajuizar ações contra a Cedae, ao amparo, no mínimo, desse princípio, requerendo ao juiz da causa, entre outras medidas (i) autorização para depositar a integralidade do valor das contas de água/esgoto, determinando à concessionária que se abstenha de interromper o fornecimento; (ii) que determine a realização de perícia para apurar quanto dessa água destina-se a consumo (leia-se ingestão – algo que varia segundo a idade e o peso, mas fica em torno de 1,5 a 3 litros diários por pessoa, conforme literatura sobre o assunto); e (iii) a devolução do valor depositado, referente ao percentual para consumo apurado na perícia, enquanto a situação efetivamente não se normalizar, requerendo-se do juiz que solicite informações de entidades isentas a respeito da qualidade da água.

Quanto às contas pagas antes do ajuizamento da ação, em tese é possível utilizar os parâmetros que vierem a ser estabelecidos na perícia para apurar o valor a ser restituído, e tal restituição seria realizada mediante compensação com o saldo do valor depositado referente à parte do fornecimento de água não destinada a consumo: ou seja, do valor a ser sacado pela Cedae ao final do processo, seria deduzida quantia referente à parcela das contas pagas após o início do problema, relativa a quantidade de água para consumo (frise-se, ingestão).

No caso dos mais afortunados, que podem – a contragosto e inesperadamente, vale lembrar – optar por consumir água mineral, além do ressarcimento acima, merecem ser compensados por esse desembolso que a Cedae lhes impôs (guardem as notas fiscais dos supermercados!).

Isto se aplica tanto a pessoas, quanto condomínios e empresas, mas é importante avaliar as peculiaridades de cada um. A concessionária certamente dirá que a culpa não é sua, mas da inércia de municípios, órgãos de defesa do meio ambiente, malfeitos de poluidores (pessoas e empresas) etc. Negativo: sua culpa é por omissão, por inércia, por falta de investimento e/ou investimentos inadequados, enfim, desídia na prestação de seu serviço.

A Cedae, assim como qualquer empresa do seu porte e, sobretudo, de sua importância, dispunha e dispõe de meios para prevenir o desastre que estamos sofrendo – para combater os poluidores e para mitigar os danos aos seus clientes. E, no limite, também poderia ter buscado o apoio da imprensa, pesadelo dos maus políticos e dos malfeitores em geral.

Por sorte, aparentemente, a Geosmina só compromete o caráter inodoro, incolor e insipido da água. Mas, agora, encontraram detergente. Esses eventos nos deixam receosos, cheios de dúvidas: o que contém a água da Cedae?

A propósito: no que diz respeito à água mineral, a concessionária também deveria ser punida pelos entes defensores do meio ambiente pela explosão de consumo e a consequente proliferação das garrafas PET no Estado.

* José Augusto Leal é advogado do Castro Barros Advogados, líder da área de litígio cível e comercial do escritório.

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/basta/