Contencioso e Arbitragem
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Citação por aplicativo de mensagem e redes sociais em debate no STJ

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) vai fixar tese em julgamento de recurso repetitivo sobre a validade de citação realizada por aplicativo de mensagem ou redes sociais no âmbito das ações cíveis (Tema Repetitivo nº 1345). Por maioria, a Corte Especial afetou dois recursos especiais [1], considerados representativos da controvérsia, para serem julgados sob o rito dos repetitivos no prazo de um ano. Até o julgamento de afetação, tinha-se o registro de apenas três acórdãos proferidos pela Corte Superior sobre o assunto, a despeito do número considerável de 76 decisões monocráticas a respeito do tema [2].

O debate adquire especial relevo em um país cada vez mais digital. Em 2024, o Brasil contabilizou a existência de 263,4 milhões de aparelhos celulares [3], número que evidencia o expressivo acesso da população a dispositivos móveis e impulsiona a reflexão sobre a praticidade que a realização da citação por aplicativo de mensagem ou rede social — como Facebook e Instagram — pode proporcionar ao processo judicial.

A circunstância trazida especificamente pelos recursos afetados foi o indeferimento de pleito formulado pelos autores para citação da parte contrária via WhatsApp, após tentativas infrutíferas por outros meios.

O tema é interessante e suscita diversos questionamentos, sobretudo diante do desafio de compatibilizar a eficiência da prática de atos processuais com a necessidade de observância de princípios constitucionais, como contraditório, ampla defesa e segurança jurídica.

Como era a citação
Até 2021, o artigo 246 do CPC previa que a citação poderia ser feita de cinco formas diferentes: por correio, oficial de justiça, escrivão ou chefe de secretaria, edital e meio eletrônico. Por meio eletrônico, para parte da doutrina [4], compreende-se a citação por meio de envio de e-mail destinado ao endereço eletrônico previamente criado pela empresa. A citação também dita eletrônica, mas via consulta a portal, já era prevista nos artigos 5º e 6º da Lei 11.419/2005.

De todo modo, fato é que a modalidade padrão de citação no direito brasileiro sempre foi a citação via correio. A por oficial de justiça ocorria de forma subsidiária, quando frustrada pelo correio[5], ou nas hipóteses previstas em lei [6].

Medidas, contudo, passaram a ser adotadas por órgãos do Poder Judiciário nos últimos anos, em maior intensidade, para dar preferência à citação eletrônica. O tema ganhou destaque especialmente em 2017, no julgamento do Procedimento de Controle Administrativo nº 0003251-94.2016.2.00.0000, quando o CNJ aprovou a utilização do Whatsapp para comunicação de atos processuais

Durante a pandemia, o CNJ editou a Resolução nº 354/2020, que, em seu artigo 8º, previu que os atos de intimação poderiam ser cumpridos por meio eletrônico, desde que assegurado que o seu destinatário tivesse tomado conhecimento do conteúdo da comunicação. Anos depois, diante da variedade de procedimentos de citação e intimação eletrônicas criados no âmbito de diferentes tribunais — por meio de portarias, instruções normativas e regulamentações internas —, o CNJ editou a Resolução 569/2024, na qual estabelece novas regras para uniformizar a prática dessas comunicações, consolidando sua realização por meio das publicações no Diário de Justiça Eletrônico Nacional e Domicílio Judicial Eletrônico.

Mudanças no CPC
Esse movimento de modernização tecnológica do Poder Judiciário também se refletiu na legislação federal.

A Lei 14.195/2021 alterou dispositivos legais do Código de Processo Civil para reforçar a prioridade da citação eletrônica. O artigo 246, caput, passou a prever que a citação será preferencialmente por meio eletrônico, utilizando-se os endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário. Caso não haja confirmação do recebimento, a citação deverá ser realizada pelos demais meios (artigo 246, §1-A). O artigo 247 também foi alterado para estabelecer que a citação será feita por meio eletrônico ou pelo correio para qualquer comarca do país.

Todas essas alterações evidenciam o desejo do Poder Judiciário e do Poder Legislativo em incorporar tecnologias que estimulem a modernização e adaptação dos processos judiciais à nova realidade social do século 21.

O tema da citação, especificamente via aplicativos de mensagem ou redes sociais, contudo, ainda suscita certa polêmica. Há quem sustente que, por não ter previsão legal, essa modalidade de citação estaria eivada de vício formal e, por isso, seria nula.

Ferramentas digitais devem ser usadas
A nosso ver, por outro lado, são novos tempos. A sociedade está cada vez mais conectada e imersa no ambiente digital. Adequações do processo judicial a essa nova realidade não são apenas naturais, mas necessárias. Mostra-se inadequado e e incompatível com a lógica contemporânea que um autor permaneça, por meses ou anos, sem conseguir citar a parte contrária por correio ou por oficial de justiça, quando é de conhecimento geral que, na maioria das vezes, essa parte utiliza diariamente o Whatsapp ou outras ferramentas digitais para se comunicar. Ou, ainda, para dar outro exemplo, que se impeça a tentativa de citação de parte residente no exterior via aplicativo de mensagem, como se a única alternativa adequada fosse a citação por carta rogatória — procedimento, como se sabe, moroso, que frequentemente não se demonstra eficaz.

Compreendemos que a validade dessa modalidade de citação depende do cumprimento de sua finalidade, qual seja, assegurar que o réu tenha ciência inequívoca da existência do processo, mediante comunicação cujo conteúdo esteja claro e compreensível, afastando qualquer possibilidade de dúvida.

Se a citação foi efetivada e não causou prejuízo à parte, a mera inobservância da instrumentalidade das formas não deve causar a nulidade do ato — princípio pas de nullité sans grief. [7] Quer dizer, a forma não pode se sobrepor a uma efetiva cientificação do ato, se esta inequivocadamente ocorreu. Ainda nesse sentido, não se pode ignorar o princípio da instrumentalidade das formas, previsto no artigo 188 do CPC, que estabelece que atos processuais, salvo quando a lei exigir, independem de forma e são considerados válidos, ainda que realizados de outro modo, se preenchida sua finalidade essencial. De igual modo, o artigo 277 do CPC afirma que, quando a lei prescrever certa forma, o juiz considerará válido o ato, se realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.

Há, assim, uma tendência do direito processual civil moderno a flexibilizar as formas processuais. Essa atipicidade formal, como um norte interpretativo do direito processual civil atual, é vislumbrado em diversos dispositivos legais do Código (v.g. artigo 190, artigo 191, artigo 200, artigo 139, IV).

Forma de citação via rede social
Caso o STJ confirme a validade da citação via aplicativo de mensagem ou rede social, é possível que surjam, na sequência, controvérsias acerca da forma como tal citação deve ocorrer. A nosso ver, assim como incumbe ao oficial de justiça, dotado de fé-pública, fazer o necessário para cumprir a citação pessoal da parte ré, em atendimento ao que prevê os artigos 250 e 251 do CPC [8], cabe igualmente a ele adotar as medidas cabíveis para garantir que a parte seja cientificada do processo via aplicativo de mensagem ou rede social.

Em um primeiro momento, mostra-se mais prudente admitir que a validade da citação via Whatsapp — ou outro aplicativo de mensagem ou rede social — dependa da confirmação expressa de recebimento, por escrito, pela parte ré. Por outro lado, ainda que não haja tal confirmação, é preciso considerar as circunstâncias do caso concreto. Imagina-se a situação em que o oficial de justiça efetua ligação telefônica, a parte ré confirma que aquele número de telefone receptor é seu, bem como ouve do oficial de justiça do que se trata aquela ligação; no entanto, posteriormente, recebido o mandado e contrafé via Whatsapp, a parte ré não acusa o seu recebimento, embora tenha visualizado a mensagem. Nada impede que, nesse caso, o oficial de justiça ateste tais circunstâncias em certidão própria e considere a pessoa regularmente citada.

No julgamento do REsp 2.045.633/RJ, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, a 3ª Turma do STJ validou a citação realizada por WhatsApp, desde que ela atinja seu objetivo principal, que é dar ciência plena e inequívoca acerca da existência da ação judicial proposta em desfavor do destinatário da comunicação. Na ocasião, a relatora propôs a necessidade de se compreender o sistema de nulidades a partir dos seguintes novos pressupostos:

  1. a regra é a liberdade de formas;
  2. a exceção é a necessidade de uma forma prevista em lei;
  3. a inobservância de forma, ainda que grave, pode ser sempre relevada se o ato alcançar a sua finalidade [9].

No julgamento do HC nº 641.877/DF, por sua vez, a 5ª Turma do STJ autorizou o uso de WhatsApp para citação — ainda que no ambiente mais rígido da seara processual penal. Na ocasião, ficou estabelecido que a citação por aplicativo é permitida, desde que assegurada a autenticidade do destinatário, o que foi verificado no caso, com a confirmação do número de telefone e a resposta do réu, com o fornecimento de seus documentos pessoais. Segundo a 5ª Turma, a nulidade processual, tanto a relativa como a absoluta, requer a demonstração de prejuízo concreto à parte, o que não foi comprovado no caso, eis o réu teve ciência da acusação e foi representado adequadamente pela Defensoria Pública em todos os atos processuais.

Conclusão
Em síntese, veja-se que o debate acerca da citação por aplicativos de mensagem e redes sociais reflete a tensão entre a preservação das formas tradicionais e a necessidade de adaptar o processo judicial às transformações tecnológicas da sociedade contemporânea.

A iminente fixação de tese pelo STJ, no Tema Repetitivo nº 1345, insere-se nesse contexto e representa uma oportunidade de consolidar um entendimento que privilegie a efetividade do processo. Desde que garantida a ciência inequívoca da parte citada e resguardados os princípios do contraditório e da ampla defesa, a citação por aplicativo de mensagem ou rede social deve ser considerada válida, representando um avanço na modernização do processo e na sua adaptação à realidade digital.

[1] REsp 2.160.946/SP e REsp 2.161.438/SP.

[2] Dados trazidos pelos acórdãos proferido pela Corte Especial que afetou o REsp 2.160.946/SP e REsp 2.161.438/SP.

[3] Cf. Relatório Anual de Gestão 2024 publicado pela Anatel.

[4] AMARAL, Guilherme Rizzo. Alterações no novo CPC – o que mudou?: Comentários por artigos e precedentes jurisprudenciais. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.

[5] Art. 249 do CPC.

[6] Antigo Art. 247 do CPC.

[7] Nesse sentido: STJ, AgRg no HC n. 764.835/RJ, Relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, j. em 05.09.2023.

[8] Art. 250. O mandado que o oficial de justiça tiver de cumprir conterá: I – os nomes do autor e do citando e seus respectivos domicílios ou residências; II – a finalidade da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a menção do prazo para contestar, sob pena de revelia, ou para embargar a execução; III – a aplicação de sanção para o caso de descumprimento da ordem, se houver; IV – se for o caso, a intimação do citando para comparecer, acompanhado de advogado ou de defensor público, à audiência de conciliação ou de mediação, com a menção do dia, da hora e do lugar do comparecimento; V – a cópia da petição inicial, do despacho ou da decisão que deferir tutela provisória; VI – a assinatura do escrivão ou do chefe de secretaria e a declaração de que o subscreve por ordem do juiz.

Art. 251. Incumbe ao oficial de justiça procurar o citando e, onde o encontrar, citá-lo: I – lendo-lhe o mandado e entregando-lhe a contrafé; II – portando por fé se recebeu ou recusou a contrafé;

III – obtendo a nota de ciente ou certificando que o citando não a apôs no mandado.

[9] STJ, REsp 2.045.633, Relator Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. em 08.08.2023.

https://www.conjur.com.br/2025-mai-28/citacao-por-aplicativo-de-mensagem-e-redes-sociais-em-debate-no-stj/