Cost Sharing Agreements: o que esperar de eventual substituição do PIS e Cofins?
Contrato é muito utilizado por grupos econômicos para o rateio de custos de interesse comum
Um aspecto importante a ser considerado para a adequada compreensão dos reflexos fiscais do cost sharing agreement, tanto no que se refere ao PIS e Cofins, quanto à eventual tributação substitutiva que recaia sobre a receita, diz respeito à perspectiva empresarial que serve de base para a implementação de uma estrutura de compartilhamento de custos.
Inicialmente, esse é um contrato muito utilizado por grupos econômicos, seja em ambiente doméstico ou internacional, para o rateio de custos de interesse comum e com um objetivo específico de proporcionar: (i) racionalização de custos; (ii) eficiência de gestão; (iii) aumento de produtividade; (iv) economia; e (v) otimização de resultados.
Ou seja, vamos imaginar uma hipótese em que seja do interesse de um grupo econômico a uniformização e o aprimoramento de sua atividade interna de controladoria, a fim de atender a alguns dos desafios de compliance do mundo atual. Como isso pode ser realizado?
Cada empresa, individualmente, e por exemplo, pode utilizar a sua equipe própria de controles internos, incorrendo, portanto, cada uma, nos mesmos custos – em clara redundância -, para o desenvolvimento do projeto interno de uniformização e aprimoramento da controladoria.
Ou uma das empresas, que disponha de uma equipe de controles internos com melhor infraestrutura e experiência, pode assumir a centralização de todos os custos, no interesse de todas as outras empresas igualmente. O que faz mais sentido, é mais razoável, mais eficiente e permite maior economia?
É evidentemente a segunda opção, em que os custos para a referida uniformização e aprimoramento da controladoria do grupo são concentrados em uma única empresa, que depois os compartilha com as demais que são igualmente beneficiadas.
Ocorre, no entanto, que é nesse momento que temos um problema: como fica o fluxo de recursos entre as empresas? Os valores dos custos reembolsados constituem receita, de um lado; e despesa, de outro? Qual deve ser o “regime tributário” a ser atribuído a tais transferências de recursos?
Importante, em um primeiro momento, ressaltar que um contrato de compartilhamento de custos, como a própria locução indica, importa em repartição de custos, não havendo, portanto, qualquer margem, seja lucro ou receita, que seja acrescida aos recursos que devem ser transferidos entre as empresas de um grupo no âmbito desse contrato. O que significa dizer que não se transfere nada além do que o simples reembolso do custo.
Pois bem. Como é evidente, o pressuposto de aquisição de riqueza é condição fundamental para a legitimação de qualquer incidência tributária. Não há tributação legítima sem expressão de riqueza.
No caso das contribuições PIS e Cofins, esse elemento de aferição de riqueza tem suporte no art. 195 da CF, segundo o qual: “A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; (…) IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.
Temos, portanto, dois tributos de materialidade constitucional distintas, que pressupõem como elemento de aferição de riqueza a receita ou faturamento, para as operações domésticas, ou o pagamento de um preço por serviço importado – ou bem -, para as internacionais.
Assim, resta evidente que, se em um cost sharing agreement o que se dá é apenas uma repartição, reembolso de custo, que representa, ao final uma simples recomposição patrimonial, ingresso, não há, por consequência, receita ou pagamento de preço por serviço prestado.
Nesse contexto é que não se legitima, portanto, a incidência do PIS e Cofins sobre a simples transferência de capital para a recomposição dos custos incorridos por aquela empresa do grupo que, não por uma justificativa fiscal, mas por uma razão de maior eficiência na gestão, aumento de produtividade, economia, otimização de resultados, acabou por centralizar os custos com o desenvolvimento de uma área em benefício das demais.
Como é notório, o cost sharing agreement (contrato de compartilhamento de custos) é um contrato atípico e não há norma que regule os seus efeitos fiscais.
A disciplina tributária do cost sharing agreement, portanto, vem sendo construída ao longo dos anos pelo posicionamento da própria receita federal, através de respostas a soluções de consulta, que pode ser representada em uma linha do tempo com a seguinte sequência.
A Solução de Consulta 8/2012, que estabeleceu os requisitos a serem observados para a classificação de um contrato como de cost sharing; a Solução de Divergência 23/2013, que analisou esses requisitos e reconheceu a natureza de reembolso/recomposição patrimonial dos recursos transferidos, afastando os tributos incidentes, incluindo PIS e Cofins, no âmbito doméstico. E a Solução de Consulta 276/2019, que ao tratar de operações internacionais, entendeu pela incidência dos tributos, incluindo PIS e Cofins, diante da suposta caracterização de importação de serviços técnicos.
A conclusão a partir dessas manifestações da Receita Federal é no sentido de que os seguintes requisitos devem ser observados para que um cost sharing agreement cumpra os seus efeitos próprios: (i) contrato escrito; (ii) não pode constituir a atividade-fim da centralizadora de custos; (iii) razoabilidade e objetividade dos critérios de rateio; (iv) rateio consistente com o gasto de cada empresa e com o custo global (razoabilidade genérica); (v) inexistência de margem; (vi) benefício a todas as empresas – benefício mútuo (não pode beneficiar uma empresa do grupo e não beneficiar a centralizadora, por exemplo).
A verdade é que esses requisitos, diante dos casos concretos, e em especial os que se referem à razoabilidade e objetividade dos critérios de rateio, podem comportar distintas interpretações por parte das autoridades fiscais, o que acabou sendo evidenciado pelas próprias soluções de consulta antes citadas.
Por um lado, no entanto, podemos afirmar que, quando se referindo aos cost sharing agreements domésticos, as manifestações da receita federal majoritariamente vêm reconhecendo a não tributação do PIS e da Cofins, além de outros tributos, sobre os fluxos de recursos, por não constituírem receita, mas meros ingressos, recomposições patrimoniais. Como também, de outro lado, não há despesas geradoras de créditos de PIS e Cofins, de igual forma, a não ser naquilo que se possa alocar a uma ou outra empresa, em observância ao próprio contrato de compartilhamento de custos.
Ao passo que, os cost sharing agreements internacionais acabam não tendo o mesmo desfecho, já que a Receita Federal insiste em impor a incidência de tributos, incluindo PIS e Cofins, sobre os reembolsos de custos para empresas centralizadoras fora do país.
Por essa razão que os grupos multinacionais, ao decidirem pela implementação de estruturas internacionais de cost sharing, não raro preferem excluir o Brasil desse processo decisório, diante dessas incertezas e inseguranças quanto ao regime tributário aplicável aos cost sharing agreements no país.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) também vem seguindo a tendência de reconhecer-se a não tributação do reembolso/recomposição patrimonial em operações domésticas e não reconhecê-la em operações internacionais, como se infere do Acórdão nº 1401-004.049, 4ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, de 10/12/2019. Nesse sentido, igualmente, o Acórdão nº 1401-004.270, 4ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, de 11.03.2020).
Já em âmbito judicial, entendemos importante destacar a decisão do TRF 2ª região, por intermédio da qual se reconhece a incidência de CIDE em contratos de cost sharing: TRF2, Processo nº 0178161-04.2016.4.02.5101/RJ, 4ª Turma Especializada, Relator: Des. Luiz Antonio Soares, julgado em 29.10.2019. E um recurso extraordinário, em que o relator é o min. Luiz Fux e reconhece a repercussão geral da incidência de CIDE nas remessas ao exterior em decorrência de contrato de cost sharing, em razão de uma decisão mantida pelo TRF 3ª região, cuja ementa assim informa: “Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. CONTRIBUIÇÕES DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO INCIDENTES SOBRE REMESSAS AO EXTERIOR. LEIS 10.168/2000 E 10.332/2001. PERFIL CONSTITUCIONAL E PARÂMETROS PARA O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. TEMA 914. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.” (RE 928943 RG, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 01.09.2016, publicado em 13.09.2016.
Por fim, fica a dúvida se alguma mudança à disciplina tributária acima ocorreria com a instituição de algum outro tributo substitutivo ao PIS e Cofins, no âmbito das reformas tributárias que se discutem, que continuassem recaindo sobre a receita ou faturamento, para as operações domésticas, ou o pagamento de um preço por serviço importado – ou bem -, para as internacionais.
À vista do que foi mencionado, se o ambiente normativo futuro, construído a partir das propostas de reforma tributária em discussão, não dispuser expressamente sobre uma disciplina tributária específica a regular os cost sharing agreements, e na medida em que os tributos que eventualmente substituam o PIS e a Cofins continuem assumindo como materialidade constitucional e legal para a sua legítima incidência: (i) a receita, nas operações domésticas; e (ii) o preço do serviço, na hipótese de operações internacionais, os critérios estabelecidos pela evolução do posicionamento da receita federal, assim como a jurisprudência administrativa e judicial sobre o tema, continuarão servindo de orientação à elaboração dos cost sharing agreements e aferição do risco decorrente da implementação de tais estruturas no país.
André Gomes de Oliveira – sócio sênior do Castro Barros Advogados e secretário geral da ABDF.