Seguros e Resseguros
Estadão

Em meio ao coronavírus, proposta de aumento para 50% da alíquota da CSLL que atinge seguradoras e resseguradoras é inadequada

No contexto das medidas que vêm sendo discutidas para mitigar os impactos econômicos da pandemia da covid-19, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 1.276/2020, de autoria do senador Ciro Nogueira, e que “Dispõe sobre a majoração de alíquotas de contribuição sobre o lucro líquido para as pessoas jurídicas de instituições financeiras e dá outras providências”.

Na prática, referido PL altera disposições da Lei 7.689/1988 (lei que instituiu a CSLL) para dispor que “as pessoas jurídicas referidas no inciso I do artigo 3º [pessoas jurídicas de seguros privados, de capitalização, e instituição financeiras] que possuam capital social igual ou superior a 1% (um por cento) do Produto Interno Bruto (PIB) passam a ter alíquota de 50% (cinquenta por cento), no período compreendido entre a eficácia desta lei e 2 (dois) anos após o encerramento do estado de calamidade pública” e “a base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) fica majorada para o percentual de 100% (cem por cento) sobre a receita bruta”.

Por fim, “considerar-se-á para a definição da alíquota e base de cálculo o conceito de grupo econômico que, embora os contribuintes possam ter personalidade jurídica própria, estão sob a direção controle ou administração de outra, constituindo grupo econômico”.

Ou seja, entende-se, pela leitura do projeto, que instituições financeiras e equiparadas (incluindo seguradoras e resseguradoras) cujo grupo econômico tenham capital social a partir de 1% do PIB (ou seja, cerca de R$ 73 bilhões, em números atuais) terão sua alíquota de CSLL, que já é majorada, dos atuais 15% (art. 3º, I, da Lei 7.689/88) para 50%, durante os próximos 2 anos, e passará a incidir sobre base de cálculo correspondente a 100% da receita bruta, sem qualquer dedução.

Na justificação do PL, consta que “a proposta de majoração da CSLL recairá justamente no segmento da economia que possui histórico de recordes de lucro decorrente de atividades financeiras” e que, “portanto, trata-se de realizar verdadeira justiça tributária (isonomia), ao exigir dos agentes que dominam o mercado e obtém ano a ano lucros bilionários – mesmo durante anos em que o país atravessou severas crises – contribuam à altura, principalmente tendo em vista o cenário de colapso da saúde nacional”.

Embora não se negue e se respeite as boas intenções do PL, o mesmo merece críticas, tanto sob o ponto de vista jurídico quanto econômico.

Primeiro porque há uma visão geral de que o corte – e não o aumento de impostos – age como motor da atividade econômica. Inclusive, conforme amplamente noticiado, essa é a recomendação oficial da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Segundo porque salta aos olhos as ilegalidades e inconstitucionalidades do projeto de lei em questão, que acaba por instituir verdadeiro tributo novo, com definição de base de cálculo diversa daquela prevista para a CSLL, além de criar uma nova modalidade de contribuinte – grupo econômico -, mas sem a necessária lei complementar exigida pelo artigo 146, inciso III, ‘a’, da CF/88. Ademais, deve-se destacar a natureza confiscatória do tributo cuja alíquota chega a 50%, o que é vedado pelo artigo 150, IV, da Constituição, além de claramente atentar contra os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, para dizer o mínimo, a manutenção de uma alíquota neste percentual.

Importante mencionar, ainda, a pretensão do projeto de lei de definir o conceito de grupo econômico de forma tão simplista, de tal maneira que reduz tal definição às empresas que, embora tenham personalidade jurídica própria, estão sob a direção controle ou administração de outra.

As consequências da definição do conceito de grupo econômico são muito sérias e podem ser desastrosas em termos de atribuição de responsabilidades. Não à toa ainda não existe uma definição legal no âmbito do direito tributário sobre o instituto.

Também não parece fazer sentido igualar, nesse contexto, bancos e seguradoras/resseguradoras. Como se sabe, a lucratividade dos bancos é muitíssima mais significativa, tanto é que apenas estes (e não as sociedades seguradoras) foram mencionados na justificação do PL, ficando clara a intenção do projeto de alcançar apenas os grandes bancos. Inclusive, tem sido amplamente noticiado pela mídia que seguradoras estão aceitando coberturas por perdas decorrentes da covid-19 apesar de as apólices expressamente excluírem perdas decorrentes de pandemias, o que denota que as seguradoras já estão sofrendo perdas não previstas e oferecendo seu sacrifício à coletividade“.

Tal assertiva se confirma ainda a partir da simples leitura do artigo 2o. do projeto, que de forma absolutamente atécnica remete a definição dos contribuintes à Resolução 4.553/2017, do Banco Central do Brasil. Ademais, o mercado de seguros é um dos que pode ser severamente afetado pela crise da covid-19, pois a função das seguradoras é, como se sabe, segurar riscos e vão inevitavelmente sofrer defasagem com as baixíssimas taxas de juros, principalmente em relação à manutenção dos seus ativos garantidores.

A verdade é que, sob a justificativa de realizar “justiça tributária”, o PL em questão é confessadamente direcionado para determinadas pessoas pagarem a conta pela crise e, além de não contribuir para resolver a questão econômica imposta pela covid-19, não deverá resistir a um controle de legalidade e constitucionalidade do Poder Judiciário.

*Daniela Duque Estrada e Carlos Ximenes são advogados do Castro Barros Advogados e são, respectivamente, especialista em contencioso tributário e responsável pelo Departamento de Seguros e Resseguros do escritório e especialista contencioso e consultivo cível e empresarial, com foco em discussões contratuais envolvendo direito bancário e direito de seguros

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