Contencioso e Arbitragem
Conjur

Estradas que REsp e RE podem percorrer: estudo dos arts. 1.030 e 1.041 do CPC/15

Considerações iniciais sobre o artigo 1.030: pista principal
Após a interposição do recurso especial e/ou extraordinário, o caminho que o processo vai percorrer pode ser mais ou menos longo e tortuoso, a depender de uma série de fatores. O artigo 1.030 é o mapa inicial das opções de rota.

O percurso mais familiar (e altamente desejável) é aquele decorrente da decisão proferida pela presidência ou vice-presidência do tribunal a quo com juízo positivo de admissibilidade. Nesse itinerário, os autos serão remetidos, juntamente com as contrarrazões, primeiramente ao Superior Tribunal de Justiça (para análise do REsp) e, posteriormente, ao Supremo Tribunal Federal (caso haja RE para julgamento).

Caso os apelos não ultrapassem esse primeiro crivo de admissibilidade, ou seja, restem inadmitidos ou tenham o seguimento obstado, o caminho será a interposição de agravo ao tribunal superior na primeira hipótese ou agravo interno na última.

De forma mais específica, tem-se que a decisão que deixa de admitir o recurso com base na ausência de algum requisito intrínseco ou extrínseco ou, ainda, por óbices como incidência de súmulas, desafia agravo para o tribunal superior, nos termos do §1 do artigo 1.030.

De outro lado, a decisão do tribunal de origem que nega seguimento com base no artigo 1.030, I, “a” e “b”, do CPC — aplicação de temas julgados nos Superiores com força de repetitivo ou repercussão geral —, entendendo o recorrente que o precedente aplicado não é adequado à hipótese, deverá interpor agravo interno para demonstrar a distinção entre os casos (o chamado distinguishing), nos termos do §2º do artigo 1.030.

Há, ainda, a possibilidade de ser proferida uma decisão de sobrestamento do recurso com base no inciso III do 1.030 — aqui, o REsp ou o RE fica sobrestado aguardando julgamento de questão que ainda não foi decidida pelo STF ou STJ, mas que já foi afetada para julgamento. Nesse caminho, há uma espécie de suspensão do juízo de admissibilidade, salvo nas hipóteses de interposição intempestiva de recurso (cf. artigo 1.036, §2º). Essa decisão também desafia agravo interno, conforme previsto no §2º do 1.030.

Também é possível que o juízo a quo identifique matéria cuja repetitividade requer o encaminhamento do processo ao Tribunal Superior com indicação de representativo de controvérsia, nos termos do artigo 1.030, IV, do CPC. Esse encaminhamento, no entanto, deve observar o comando do §6º do artigo 1.036 que diz: “Somente podem ser selecionados recursos admissíveis que contenham abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida”.

Até aqui, não há grandes questões e a maior parte dos condutores se sente confortável. São as rotas tranquilas e bem-sinalizadas previstas no artigo 1.030 e alguns de seus incisos.

Mas há, ainda, outros trajetos possíveis para os recursos excepcionais e estes não são tão retos e bem-sinalizados assim.

A rota estabelecida pelo do artigo 1.030, II, do CPC
Primeira metade do caminho que já está pavimentada, mas ainda carente de sinalização
Nesse caminho, o Código prevê que o presidente ou vice do tribunal a quo deve “encaminhar o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos” (artigo 1.030, II, CPC).

Ou seja, na hipótese de já haver sido julgado um RE com Repercussão Geral ou um REsp Repetitivo sobre a matéria versada nos autos, adicionado ao fato de o acórdão recorrido divergir do entendimento fixado nesses precedentes vinculantes, deve o processo ser devolvido ao órgão julgador originário para que seja realizado o juízo de retratação.

Mas o que é esse juízo de retratação? Na prática, é um novo julgamento do recurso, dessa vez, a deliberação deverá se dar à luz do que ficou estabelecido pelo STJ ou pelo Supremo no precedente qualificado. Resumindo, conforme explica Newton Pereira Ramos Neto [1], é o “Rejulgamento da causa no órgão colegiado prolator da decisão recorrida, a partir de juízo de retratação, quando o acórdão é divergente de entendimento firmado em repercussão geral ou em recurso repetitivo”.

É importante destacar que, em decorrência dessa alteração do resultado do julgamento, é possível que outras questões do processo ressurjam e, com elas, nasça a necessidade de complementação do julgamento. Para essa eventualidade, o CPC previu no §1º do 1.041 que “Realizado o juízo de retratação, com alteração do acórdão divergente, o tribunal de origem, se for o caso, decidirá as demais questões ainda não decididas cujo enfrentamento se tornou necessário em decorrência da alteração”. Até aqui, nenhuma grande dificuldade.

Mas o que acontece se o órgão julgador originário se negar a realizar o juízo de retratação? A resposta para essa indagação está no artigo 1.041, do CPC. E é aqui que via pavimentada termina.

Rota 1.041: estrada de chão, cheia de curvas e pontos cegos
O artigo 1.041 prevê que: “Mantido o acórdão divergente pelo tribunal de origem, o recurso especial ou extraordinário será remetido ao respectivo tribunal superior, na forma do artigo 1.036, §1º”.

A primeira curva brusca do dispositivo está logo no fato da incoerência dele mesmo existir. Ora, a dicção do artigo 927 do CPC explicita que o legislador processual criou um microssistema de precedentes qualificados que, em tese, possuem força vinculante e caráter obrigatório.

O caput do artigo preceitua que “Os juízes e o Tribunais observarão”, trata-se de uma ordem, como a maior parte da doutrina interpreta. Pois bem, sabe-se que são numerosas as situações nas quais a doutrina não socorre a prática, assim como há certos tipos de estrada em que a existência de uma discreta lombada não evita que o carro entre em alta velocidade na curva. É o que ocorre nesse caso.

Apesar de os tribunais serem, teoricamente, obrigados a observar as decisões proferidas pelo STF em sede de repercussão geral e pelo STJ no julgamento dos Repetitivos, às vezes, eles se negam a obedecer. Assim, para resguardar o jurisdicionado desse tipo de conduta, é que o legislador incluiu o artigo 1.041 no Código. É como se antes da lombada fossem instaladas meia dúzia de placas reflexivas indicando a existência de uma curva perigosa a frente.

E, na prática, qual será o trajeto que esse recurso excepcional percorrerá após a deliberação do órgão julgador que refuta a realização do juízo de retratação?

Primeiro, será publicado o acórdão que refletirá a decisão do tribunal se negando a adequar o posicionamento ao entendimento vinculante fixado pelos Tribunais Superiores. Após, o processo será devolvido à presidência/vice do tribunal a quo para nova análise de admissibilidade e, aqui, cabe somente a verificação dos requisitos intrínsecos e extrínsecos, para, em sendo positivo o crivo, o processo ser remetido ao tribunal superior para análise do REsp/RE (cf. artigo 1.030, V, “c”, do CPC). Não há necessidade de nenhuma ratificação dos recursos.

Parece que a estrada voltou a ficar “boa”. Só parece. Isso porque é possível que esse novo pronunciamento do Tribunal a quo traga fundamentos diferentes daqueles utilizados no acórdão recorrido, e, nesse caso, o REsp/RE anteriormente interposto, por razões óbvias, não vai ter rebatido tal fundamentação. A verdade é que há aqui um ponto cego, pois o Código processual não previu essa situação.

O STJ, identificando a falha (mas, não antes de ocorrerem muitos acidentes) estabeleceu que nesses casos é preciso dar ao Recorrente oportunidade de realizar “complementação das razões do recurso especial, com o fim exclusivo de impugnar eventuais novos fundamentos agregados ao acórdão recorrido” [2].

Apesar da relativa pacificação que tal posicionamento efetuou, ainda remanescem algumas dúvidas, tais como: qual é o prazo dessa complementação? A contagem dele é realizada a partir da publicação do acórdão que refutou a retratação ou é necessária intimação específica para tanto? Qual é o formato que essa peça deve ter? É preciso abrir prazo para contrarrazões?

O ponto cego foi superado, mas a estrada continua tortuosa.

Para finalizar, é preciso dizer que, como quase tudo no Direito (e se diz “quase” apenas para que a afirmação não se contradiga em si mesma), um caminho que parece estabelecido e previsível, pode ser tortuoso e cheio de intercorrências. O processo civil demanda do condutor muito estudo, pesquisa de jurisprudência e vivência prática para que ele esteja preparado para conduzir o veículo, digo, o processo de forma adequada.

[1] O CPC de 2015 visto pelo STJ [livro eletrônico] / coordenadores Teresa Arruda Alvim…[et al.]. — 1. ed. — São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

[2] Exemplificativamente: “2. Nos termos do artigo 1.041 do CPC/2015, ‘mantido o acórdão divergente pelo tribunal de origem, o recurso especial ou extraordinário será remetido ao respectivo tribunal superior […]’. 3. Desnecessidade de interposição de um segundo recurso especial na hipótese de não retratação do acórdão recorrido, devendo o recurso já interposto ascender a esta Corte Superior ‘ex vi legis’.
4. Possibilidade, contudo, de complementação das razões do recurso especial, com o fim exclusivo de impugnar eventuais novos fundamentos agregados ao acórdão recorrido. Doutrina sobre o princípio da complementariedade recursal”. (REsp 1946242/RJ, Terceira Turma, J. 14.12.21).

https://www.conjur.com.br/2023-ago-23/danubia-costa-estradas-resp-re-podem-percorrer

Danúbia Souto de Faria Costa é coordenadora do Castro Barros Advogados em Brasília, advogada, pós-graduada em Direito pelo Instituto dos Magistrados do Distrito Federal (Imag) e especialização (LLM) em curso em Processo e Recursos no Tribunais pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).