Tributário
Valor Econômico

Possível efeito rebote na atualização do valor de imóvel

A Instrução Normativa da Receita Federal nº 2.222 extrapola as disposições constantes na Lei nº 14.973/2024

Em setembro, o governo federal introduziu no ordenamento jurídico algumas medidas tributárias, a partir de inovações e alterações legislativas por meio da Lei nº 14.973/2024. Dentre as quais, destacam-se as novas regras para atualização de valores de bens imóveis a valor de mercado para pessoas físicas e jurídicas. A lei foi regulamentada pela Instrução Normativa (IN) RFB nº 2.222/2024.

A nova legislação estabelece que a pessoa física residente no país poderá optar por atualizar o valor dos bens imóveis já informados em Declaração de Ajuste Anual (DAA), hipótese em que o IRPF seria tributado à alíquota definitiva de 4% sobre a diferença entre o novo valor do custo atualizado e o custo de aquisição original.

Já as pessoas jurídicas que optarem pela atualização dos valores dos imóveis constantes no ativo permanente (não circulante) poderão fazê-la mediante a aplicação das alíquotas definitivas de 6% de IRPJ e 4% de CSLL.

A IN RFB nº 2.222/2024, no artigo 4º, estabeleceu quais os imóveis são passíveis de atualização, incluindo aqueles situados no exterior já atualizados pela Declaração de Opção pela Atualização de Bens e Direitos no Exterior – Abex, em conformidade com a Lei nº 14.754/2023. Em ambos os casos, a opção deverá ser realizada nos termos estabelecidos pela Receita Federal, com o pagamento dos tributos até 16 de dezembro.

A princípio, presume-se que a atualização dos valores dos bens imóveis significaria enorme vantagem tributária e financeira aos contribuintes, tendo em vista que o ganho de capital, normalmente, é tributado, no caso das pessoas físicas, às alíquotas de IRPF que variam de 15% a 22,5%, a depender da parcela de ganhos (artigo 21 da Lei nº 8.981/95), e de até 34% de IRPJ e CSLL, no caso de pessoas jurídicas (se o resultado for positivo). Porém, em nossa visão, a atualização de valores, em certas situações, poderá gerar maior carga tributária aos contribuintes quando da alienação dos bens imóveis.

Isso porque, embora a legislação estabeleça que a tributação seria definitiva e, portanto, em tese, o valor relativo à atualização não deveria ser tributado novamente, não há previsão sobre a possibilidade de compensação dos tributos pagos no momento da atualização com os tributos devidos por ocasião da alienação, o que poderia resultar na dupla tributação deste valor (apenas sobre a parcela da atualização).

Com efeito, o artigo 8º da Lei nº 14.973/2024 e artigo 12 da IN RFB nº 2.222/2024 determinam que, na alienação do bem imóvel, antes de transcorridos 15 anos da atualização, o valor do ganho de capital será calculado a partir da seguinte formula: ganho de capital = valor da alienação – [custo do bem antes da atualização + (diferencial de custo tributado a título de atualização x percentual proporcional ao tempo decorrido da atualização até a Venda)].

Analisando-se a fórmula e os percentuais proporcionais ao tempo decorrido da atualização até a alienação, verifica-se que as operações ocorridas após 15 anos não terão nova incidência tributária além dos percentuais de atualização originais (4% para IRPF; 6% e 4% para IRPJ e CSLL, respectivamente), especificamente sobre a parcela da atualização.

Caso o imóvel seja alienado em momento anterior a esses 15 anos, na prática, a tributação final poderá, algumas vezes, ser maior do que aquela que o contribuinte teria se não houvesse optado pela atualização. Isso porque, pela leitura da norma, o valor da tributação que recai sobre o ganho de capital na alienação dos bens, a partir da aplicação da fórmula indicada acima, deve ser somado ao valor já tributado quando da atualização dos valores dos imóveis. Ou seja, haverá duas tributações que não, necessariamente, resultarão em um percentual inferior àquele que teria sido pago caso os imóveis não tivessem sido atualizados.

Tomando o exemplo de uma pessoa física que optar por atualizar o valor do custo de aquisição nos termos da lei e depois alienar o mesmo imóvel em período inferior a 36 meses, ao realizar o cálculo com base na fórmula prevista na legislação, o ganho de capital final da operação seria o mesmo sem considerar o valor do diferencial de custo tributado anteriormente e, portanto, a princípio, não seria vantajosa a atualização do bem imóvel neste caso.

Isto é, caso o imóvel seja alienado em até três anos da atualização, a tributação total será mais onerosa no patamar de, no mínimo, 19% sobre a parcela da atualização, considerando a tributação regular na alienação de 15% (menor alíquota) e a tributação na atualização do bem imóvel à alíquota de 4%.

Assim é que, pela análise das novas regras, deve ser analisado o caso concreto para identificar por quanto tempo o imóvel objeto de atualização e tributação supostamente reduzida precisa permanecer no patrimônio da pessoa física ou no ativo permanente da pessoa jurídica para fazer valer à pena a estratégia de tributação da atualização do custo de aquisição.

Por fim, o parágrafo 2º do artigo 12 da IN RFB nº 2.222/2024 afirma que, sobre o ganho de capital apurado na alienação, incidirão as alíquotas do artigo 21 da Lei nº 8.981/95 (15% a 22,5%), sem fazer qualquer referência se tais alíquotas seriam aplicáveis tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas. Essa questão deve ser esclarecida pela Receita Federal, na medida em que a instrução normativa em referência, ao que nos parece, extrapola as disposições constantes na Lei nº 14.973/2024.

Thiago Francisco Ayres da Motta e Isadora Becker Rieper são, respectivamente, sócio e advogada da área tributária do Castro Barros Advogados

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