Prequestionamento: O requisito que deve ser cumprido muito antes da oposição dos embargos de declaração “Prequestionadores”
O prequestionamento é um tema central no âmbito dos recursos excepcionais no Direito Processual Civil brasileiro, imprescindível para a admissibilidade de recursos extraordinários ao Supremo Tribunal Federal (STF) e de recursos especiais ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Esse filtro de admissibilidade recursal consiste na manifestação do tribunal a respeito da matéria ou dos dispositivos legais tratados no recurso especial ou extraordinário. Em outras palavras, a questão jurídica que se pretende discutir na instância excepcional deve ter sido previamente apreciada pelas instâncias ordinárias. Trata-se, portanto, de um requisito essencial para que os tribunais superiores possam analisá-la.
O Código de Processo Civil de 2015 trouxe algumas importantes inovações nesse assunto. Dentre elas, está a previsão contida no art. 941, § 3º, segundo o qual o voto vencido é parte integrante do acórdão para todos os fins legais, incluindo o prequestionamento.
Outra inovação que se mostrava bastante promissora foi o art. 1.025. Nele, ficou previsto que, mesmo na rejeição de embargos de declaração, os elementos suscitados pelo embargante devem ser considerados incluídos no acórdão para fins de prequestionamento, desde que os tribunais superiores reconheçam a existência de erro, omissão, contradição ou obscuridade na decisão embargada.
Esse regramento trouxe significativa inovação, buscando superar as dificuldades impostas pela Súmula 211 do STJ (“Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”) e pela Súmula 356 do STF (“O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”). No entanto, na prática, infelizmente o dispositivo terminou por não alterar substancialmente o cenário jurisprudencial vigente (mas isso é tema para outro artigo).
Quanto às modalidades de prequestionamento, destaca-se que são três, segundo entende a doutrina e a jurisprudência. A primeira, e mais óbvia, é o prequestionamento explícito, que se realiza quando o tribunal analisa e se manifesta expressamente sobre a matéria ou dispositivo legal em questão.
No chamado prequestionamento implícito, o tribunal aborda a matéria em questão, mas sem fazer referência específica ao dispositivo legal correlato, ou seja, embora a questão tenha sido analisada, não há menção literal ao artigo de lei correspondente. Essa modalidade era admitida pelo STJ mesmo antes da entrada em vigor do novo CPC.
O prequestionamento ficto, por sua vez, é aquele que foi “oficializado” pelo art. 1.025 do CPC/2015. Como visto, é considerado presente quando os embargos de declaração foram opostos para suscitar omissão, contradição ou obscuridade, ainda que rejeitados, desde que os tribunais superiores reconheçam a existência desses vícios. Até o início da vigência do CPC de 2015, apenas o STF admitia essa modalidade.
Embargos de declaração e prequestionamento
Os embargos de declaração são frequentemente utilizados como instrumento para provocar o tribunal a se manifestar sobre questões omissas, em preparação para a interposição dos recursos especial e extraordinário. É comum, inclusive, haver a inclusão na peça recursal de tópico específico com uma lista de dispositivos e um pedido expresso para que o Tribunal os declare como prequestionados.
Contudo, a simples oposição dos embargos, ou mesmo um pedido expresso de prequestionamento inserido na peça, não tem o condão de suprir esse requisito de admissibilidade. Essa, aliás, é uma percepção equivocada muito comum em relação aos chamados embargos prequestionadores.
A verdade é que o prequestionamento dos dispositivos de leis federais ou da constituição que se pretende levar ao crivo das cortes superiores tem início quando da elaboração da peça inicial da ação ou mesmo da preparação da resposta a ela (no caso do demandado). Esse é o primeiro momento em que a parte (por meio do seu patrono) deve se preocupar com a possibilidade da ascensão do tema ao STJ e STF.
Na prática, significa dizer que, logo nos primeiros momentos da demanda é preciso verificar se há sobre aquele tema nuances que potencialmente possam levá-lo à instância superior. Uma pesquisa da jurisprudência dessas cortes sobre a matéria nesse momento processual, por exemplo, pode ser decisiva para impulsionar a inclusão de argumentos e dispositivos legais e constitucionais que viabilizarão o exame da causa pelo STJ ou STF.
Outro momento crítico para o cumprimento do requisito é a interposição da apelação (ou das contrarrazões). A essa altura, é possível refutar os fundamentos da decisão com teses, argumentos e dispositivos que poderão ser o carimbo de acesso às cortes excepcionais.
Como se vê, é uma ilusão pensar que os chamados “embargos prequestionadores” salvarão o caso e o levarão ao passo adiante. Na realidade, esses embargos se prestam apenas e tão somente para indicar de forma direta, concreta e objetiva a omissão do tribunal na análise de pontos (aqui entendido como dispositivos e questão jurídica relevante) já efetivamente suscitados anteriormente pela parte. Ademais, é importantíssimo também, já adiantando os argumentos que farão parte dos recursos excepcionais, indicar a relevância da análise de tais questões para alterar o entendimento até então estabelecido e, ainda, para viabilizar a abertura da competência da instância superior.
O prequestionamento representa um filtro essencial aos recursos excepcionais, ao garantir que apenas questões devidamente debatidas nas instâncias ordinárias sejam levadas aos tribunais superiores, assegurando, assim, o adequado cumprimento de sua função constitucional.
Como se sabe, a configuração do prequestionamento exige a conjugação do binômio provocação e manifestação. Isso significa que, além de a parte recorrente suscitar a questão legal em momento processual oportuno, é imprescindível, como regra geral, que o tribunal se manifeste de forma clara e fundamentada sobre o tema.
Nesse contexto, o “momento processual oportuno” emerge como aspecto central. Ele não se limita ao ato de oposição de embargos de declaração após o julgamento realizado pelo tribunal (os chamados embargos prequestionadores). Pelo contrário, o esforço para atender a esse requisito de admissibilidade deve começar já na elaboração das peças iniciais da demanda, muito antes do curto prazo para a interposição de embargos de declaração em face do acórdão de segunda instância.
Portanto, ao adotar uma abordagem preventiva e estratégica desde os estágios iniciais do processo, o prequestionamento deixa de ser um entrave e passa a se tornar um elemento técnico que contribui para o acesso efetivo às instâncias superiores.
Danúbia Souto de Faria Costa
LL.M em Processo e Recursos nos Tribunais Superiores pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Especialista em Direito pelo Instituto dos Magistrados do Distrito Federal (IMAG). Sócia do Castro Barros Advogados e head do Contencioso Estratégico em Tribunais Superiores.