Saiba quais são as alterações e os impactos da entrada em vigor da LC 208/24
A LC 208/24 foi publicada dia 3 de julho e trouxe alterações em duas importantes normas do Direito brasileiro, a lei 4.320/64 e o Código Tributário Nacional (CTN). A lei de 1964 é uma das normais gerais de Direito Financeiro mais importantes do nosso ordenamento, é ela que estabelece as regras gerais de controle e de elaboração do orçamento e do balanço dos entes públicos. O CTN, por sua vez, é o principal regulamentador do Direito Tributário e traz em seu bojo as normas relativas aos tributos no Brasil.
Em resumo, foram três os principais pontos trazidos pela LC 208/24: (i) a autorização a cessão de créditos tributários e de créditos não-tributários dos Entes Federados; (ii) a definição de que o protesto extrajudicial é causa interruptiva da prescrição, e (iii) a permissão para que a Administração Tributária requisite informações que são tidas como sigilosas a entidades e órgãos públicos ou privados.
Confira a seguir o resumo das alterações realizadas pela LC 208/24 e seus principais impactos.
As alterações promovidas na lei 4.320/64:
A alteração que a LC 208/24 promoveu na lei 4.320/64 tem sido chamada de Securitização da Dívida Pública. Dito de forma simples, trata-se da permissão legal para a realização de uma espécie de venda com deságio dos direitos de receber uma dívida que pode ser tributária ou não. E essa cessão poderá ser feita a pessoas jurídicas de direito privado ou a Fundos de Investimento que sejam regulados pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
Como será realizada essa cessão?
A Lei prevê a criação de uma Sociedade de Propósito Específico (conhecida como SPE) pelo ente cedente (ou seja, Estados, Municípios, Distrito Federal ou União) e essa empresa pública vai ter a atribuição de gerir e gerenciar a realização dessas operações de cessão de crédito. Na prática, a SPE irá emitir títulos que representem parcelas da dívida. Neles, devem ser mescladas dívidas com maior potencial de pagamento com outras que de menor potencial. Isso para equilibrar o risco para investidor que será o comprador.
Quais os créditos que poderão ser objeto desse tipo de operação?
Poderão ser incluídas na transação de créditos as dívidas parceladas administrativamente ou por parcelamento legal ou judicial. Valendo destacar que poderão ser objeto da securitização apenas os créditos já constituídos e reconhecidos pelo devedor ou contribuinte (ou seja, aqueles inscritos em dívida ativa ou que foram objeto de reconhecimento por outras vias, como o Refis, por exemplo).
Outras condições para a cessão:
Encargos sobre a dívida: Todos os critérios vinculados a dívida deverão permanecer os mesmos, como índices de atualização, de juros e multa, condições de pagamento e de vencimento, além de quaisquer outros termos que tenham sido convencionados entre as Fazendas Públicas e o devedor.
Prerrogativa de cobrança da dívida: O contrato de cessão de créditos deverá garantir à Fazenda ou a órgão da administração pública (que são as Procuradoria da Fazenda) a prerrogativa de cobrança judicial e extrajudicial dos créditos que ampararam a emissão dos títulos vendidos pela SPE.
Isenção de responsabilidade do Ente público Cedente: Após a concretização da operação, o Ente Público Cedente, que pode ser a Fazenda ou a Procuradoria Fazendária, ficará isento de responsabilidade, compromisso ou dívida decorrente da obrigação de pagamento do contribuinte perante o Cessionário (figura do investidor que comprou os títulos representativos da dívida). Ou seja, o Ente Público transfere ao investidor comprador o risco de não receber crédito.
Compartilhamento de informações: Justamente para facilitar o trabalho da SPE na elaboração dos títulos a serem cedidos foi que a Lei Complementar introduziu os parágrafos 4º e 5º ao art. 198 do CTN. A partir de agora, está permitido o uso de informações que melhor transpareçam o risco de cada devedor. Essas informações poderão ser requisitadas pela Administração Tributária (na prática, uma ordem que deverá ser cumprida), sejam elas de natureza cadastral ou patrimonial, perante órgãos e entidades públicos e privados, inclusive aqueles que têm obrigação legal de operar cadastros, registros e controlar operações de bens e direitos, como Cartórios, por exemplo.
Cessões anteriores: Alguns Estados já vinham realizando esse tipo de operação antes mesmo da publicação da Lei Complementar, como São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Para estes, LC garantiu que as operações continuarão a ser regidas pelas leis estaduais já existentes.
As alterações promovidas no Código Tributário Nacional – CTN:
As alterações promovidas no artigo 174 e 198 CTN dizem respeito a normas que impactam de forma mais direta a cobrança de créditos tributários pela Fazenda Pública.
O que mudou no prazo prescricional previsto no artigo 174 do CTN?
Primeiramente, vale destacar que o Fisco possui o prazo de cinco anos para proceder com a cobrança do crédito tributário já constituído. Existem, no entanto, algumas circunstâncias previstas no artigo 174 do CTN que interrompem esse prazo (lembrando que interromper significa zerar o prazo). Estas causas interruptivas, até a edição da LC n. 208/2024, eram as seguintes:
Art. 174
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;
II – pelo protesto judicial;
III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.
Com a LC 208/24, o inciso II passou a prever também a interrupção pelo protesto extrajudicial. Na prática, é sabido que o Fisco realizada protestos extrajudiciais, principalmente para dívidas de menor valor, com o objetivo de incomodar o devedor a ponto de compelir ao pagamento. Isso porque, quando o título é protestado, o devedor fica negativado e isso interfere mais diretamente nas esferas práticas da vida civil (como aquisição de bens com financiamento, cartão de crédito etc.).
A interrupção da prescrição causada pelo protesto extrajudicial, além da vantagem relatada, dá às Fazendas Públicas um fôlego a mais (mais prazo, na verdade) para a cobrança dos créditos tributários.
O que a alteração do artigo 198 impactou no compartilhamento de dados fiscais sigilosos?
Como visto acima, o compartilhamento de dados entre os Entes da Federação será importante para a realização da avaliação do potencial de pagamento das dívidas que serão objeto da Securitização (cessão dos direitos creditórios). Mas essa não é a única vertente beneficiada pela previsão legal da obrigatoriedade do compartilhamento de dados. Na verdade, toda a cobrança e busca de bens realizada pelos Entes Públicos será facilitada com a medida.
É interessante notar que a inclusão dos parágrafos 4º e 5º no artigo 198 do CTN pela LC n. 208/2024 não promoveu mera sugestão de facilitação no compartilhamento de dados. Essas alterações efetivamente estabelecem a obrigatoriedade do compartilhamento desses dados tidos como sigilosos, mediante requisição, ao estabelecerem exceções ao dever de sigilo fiscal. Anote-se o texto dos novos dispositivos:
Art. 198
- 4º Sem prejuízo do disposto no art. 197, a administração tributária poderá requisitar informações cadastrais e patrimoniais de sujeito passivo de crédito tributário a órgãos ou entidades, públicos ou privados, que, inclusive por obrigação legal, operem cadastros e registros ou controlem operações de bens e direitos.
- 5º Independentemente da requisição prevista no § 4º deste artigo, os órgãos e as entidades da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes colaborarão com a administração tributária visando ao compartilhamento de bases de dados de natureza cadastral e patrimonial de seus administrados e supervisionados.
Assim, dando um passo além do que já havia sido previsto em matéria de compartilhamento de dados fiscais no bojo da LC 199/23, esse novo normativo alcança entidades privadas e efetivamente obriga o fornecimento de dados fiscais sigilosos, mediante requisição. Além disso, ficou instituído que a colaboração é um ato obrigatório, quando estabeleceu que todos os órgãos e entidades da administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes deverão colaborar com a administração tributária na troca de informações.