A redescoberta da navegação de cabotagem
A navegação de cabotagem já representa 12% de tudo que é transportado no país
Com 8 mil quilômetros de litoral e 60% da população concentrada na faixa a 20 quilômetros da costa, o Brasil reúne as condições naturais para usar intensamente a navegação de cabotagem. O transporte marítimo, porém, assim como o ferroviário, passou meio século relegado a um segundo plano, enquanto as rodovias assumiam um papel cada vez mais relevante. A boa notícia é que a cabotagem, nos últimos anos, está vivendo um momento de redescoberta e já representa 12% de tudo que é transportado no país.
Segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a movimentação portuária, considerando todo tipo de carga, subiu de 969 milhões de toneladas em 2014 para 1,32 bilhão no ano passado. O maior crescimento relativo foi no transporte das mercadorias mais valiosas, acomodadas em contêineres, passando de 846,8 mil unidades distribuídas em 2014 para 1,55 milhão em 2024. “Depois de uma pequena retração em 2022 e 2023, por causa da pandemia, já retomamos o crescimento de cerca de 10% ao ano. E tudo indica que vamos continuar nesse ritmo nos próximos anos”, prevê Luis Fernando Resano, vice-presidente-executivo da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac).
Rodrigo Cuesta, diretor financeiro e de novos negócios da Norsul, nota que o avanço da movimentação conteinerizada se deve à evolução do comércio internacional e à busca de alternativas de transporte mais sustentáveis. “Ainda há poucas embarcações dedicadas a esse segmento da cabotagem, assim como faltam investimentos em infraestrutura e tecnologia para uma integração logística mais eficiente. Mas tem havido progressos importantes, como a nova lei da BR do Mar, que flexibilizou o afretamento de embarcações estrangeiras pelas empresas brasileiras de navegação”, afirma. Outra medida positiva, na opinião dele, são as concessões e arrendamentos de terminais portuários para as parcerias público-privadas (PPPs), que têm ampliado e modernizado as instalações existentes.
Embora ainda não tenha sido regulamentada, a BR do Mar, aprovada em 2022, já desarmou o grande entrave que existia para o aumento da frota brasileira de cabotagem. “As mudanças na lei 9.432/1997 possibilitaram o afretamento gradativo de embarcações estrangeiras a casco nu sem comprovação de tonelagem brasileira, desde que atuem aqui com a nossa bandeira. Com isso, uma dezena de embarcações já foi incorporada à nossa frota mercante e outras continuarão a vir”, explica Camilla Werneck, do escritório Castro Barros Advogados. “A BR do Mar trouxe mais concorrência ao setor e fez o custo do transporte marítimo baixar”, acrescenta Resano, da Abac.
Luiza Bublitz, presidente da Aliança Navegação, diz que as vantagens econômicas e de sustentabilidade do transporte de cabotagem finalmente começam a ser entendidas pelos operadores logísticos, o que indica haver ainda muito espaço para o crescimento do setor. “Um navio com três mil contêineres leva a carga de três mil caminhões, ou seja, emite muito menos gases de efeito estufa. Além disso, a cabotagem é 15% mais econômica do que o transporte rodoviário em longas distâncias”, compara.
“A cabotagem é 15% mais econômica do que o transporte rodoviário em longas distâncias”, afirma Luiza Bublitz, presidente da Aliança Navegação.
Outra vantagem da cabotagem é a segurança, observa Marcus Voloch, vice-presidente da Log-In Logística Intermodal. “Trabalhamos com vários modais de transporte e posso garantir que nenhum outro é tão seguro. Alguns anos atrás, uma carga com aparelhos de ar-condicionado que transportávamos por ferrovia para o Nordeste, por exemplo, foi saqueada com o trem em movimento. Os bandidos usaram maçaricos para arrombar os contêineres. Isso não aconteceria dentro de um navio. E os caminhões estão ainda mais sujeitos a acidentes e saques. Devem ser usados em trajetos menores, na última milha”, afirma.
Um problema que ainda atrapalha o desenvolvimento da cabotagem é a falta de tripulantes. “Poderíamos crescer ainda mais se a formação de profissionais mercantes não fosse tão restrita. A Marinha é a única formadora e prepara muito poucos por ano. Com isso, o jeito é contratar os que já existem atuando em outras companhias, inflacionando o mercado”, afirma Voloch.
De fato, o cargo de entrada na marinha mercante, que é o de segundo oficial náutico ou de máquina, ganha entre R$ 10 mil e R$ 15 mil por mês, segundo Resano, da Abac – um comandante, posto a que se chega com pelo menos 15 anos de experiência, chega a receber R$ 40 mil. “Temos mais de 200 vagas em aberto e a Marinha só formou cem desses profissionais no ano passado. Além disso, a formação exige curso universitário e leva três anos. Contratar profissionais estrangeiros poderia ser uma saída, se não fossem poucos os que estão disponíveis”, detalha Resano.
Outra dificuldade para a expansão brasileira no comércio marítimo é o baixo calado de vários de nossos portos. O terminal de Santos, que é o maior da América Latina e ponto de embarque e desembarque de 28% dos contêineres que transitam pelo país, poderia ser ainda mais importante se sua profundidade não fosse de apenas 15 metros, insuficiente para receber as gigantescas embarcações chinesas com capacidade para 24 mil contêineres, por exemplo.