Os possíveis impactos do PL que quer modernizar a legislação para PPPs e concessões
A Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei (PL) que moderniza as leis atuais sobre concessões e contratos de parcerias público-privadas.
O texto, que tem como relator o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) – considerado o parlamentar mais influente do Brasil em questões relacionadas à infraestrutura –, afirma que os riscos associados aos contratos devem ser compartilhados de forma mais igualitária entre os setores público e privado.
A alocação de riscos será definida pelo poder concedente no edital, inclusive para eventos de força maior ocorridos após a assinatura do contrato, segundo o projeto de lei.
“É esperado um cenário mais favorável para o desenvolvimento de parcerias robustas, garantindo que as concessões contribuam de forma efetiva para o crescimento do país e a melhoria da qualidade dos serviços públicos prestados à população”, afirmou Jardim em nota.
“As concessões e PPPs têm se revelado o instrumento mais poderoso e eficaz para promover o desenvolvimento do País”, acrescentou.
O PL, que combinará as duas leis atuais, agora precisa ser aprovado pelo Senado.
A proposta também flexibiliza os contratos de concessão para criar espaço para que as empresas gerem receitas adicionais. Os contratos existentes podem ser modificados para permitir projetos ou atividades relacionadas que gerem fluxos de receita alternativos. Além disso, busca facilitar o financiamento de projetos, permitindo que as empresas usem seus ativos associados a contratos existentes como garantia.
O PL está sendo debatido em um momento de rápido crescimento de concessões de infraestrutura e PPPs. Nos últimos anos, o ritmo das concessões acelerou, à medida que os governos federal e estaduais adotaram investimentos privados em infraestrutura para ajudar a lidar com as restrições fiscais do setor público. Essa abordagem continuou durante o governo do presidente Lula.
Embora seja um forte defensor do investimento público, Lula aumentou o número de contratos com empresas do setor privado desde o início de seu mandato atual, em janeiro de 2023. Desde então, o governo federal leiloou 11 contratos de rodovias federais, com mais 13 previstos para serem oferecidos neste ano.
Outros setores que veem avanços em concessões e contratos de PPP incluem serviços de água, mobilidade urbana, iluminação pública e infraestrutura social.
A BNamericas conversou com três advogados do setor de infraestrutura – Letícia Queiroz de Andrade, sócia-diretora do escritório Queiroz Maluf; Alberto Sogayar, do escritório Sogayar e Alcântara; e Paulo Dantas, sócio de infraestrutura e project finance do escritório Castro Barros – para saber o que eles pensam sobre o PL.
BNamericas: Quais são as principais inovações e benefícios que o projeto de lei traz para os novos contratos de concessões e PPPs?
Andrade: As mudanças propostas pelo deputado Arnaldo Jardim, construídas com a participação de diversos setores, incluindo governos, associações e entidades públicas e privadas, são um avanço no processo de concessões e PPPs no Brasil, considerando os 30 anos da Lei de Concessões [Lei 8.987/1995] e os 20 anos da Lei de PPPs [11.079/2004].
Uma das novidades que considero relevante para este processo é a possibilidade de concessões multimodais, que reúnem em um mesmo empreendimento ferrovias e portos ou rodovias e hidrovias, por exemplo. Alguns modelos assim, que trazem soluções combinadas, já foram considerados em contratos com agências reguladoras, como em rodovias e portos em concessões federais nos estados da Bahia e de Rondônia.
Sogayar: O projeto de lei introduz diversas inovações que visam modernizar e tornar mais eficiente o marco legal das concessões e PPPs no Brasil.
Entre as principais mudanças, destacam-se algumas:
- O reequilíbrio emergencial de contratos, permitindo ajustes imediatos nos contratos em situações excepcionais, como desastres naturais, garantindo a continuidade dos serviços prestados.
- Aportes públicos em concessões tradicionais, autorizando o uso de recursos públicos para viabilizar projetos de infraestrutura que demandam altos investimentos iniciais, como ferrovias, aumentando a atratividade para investidores privados.
- O compartilhamento de riscos, que estabelece regras claras para a divisão de riscos entre o poder público e o setor privado, especialmente em eventos imprevisíveis, como tragédias climáticas.
- A regulamentação de receitas acessórias, que define normas para que concessionárias possam obter receitas adicionais, como exploração comercial de espaços, incentivando a diversificação de fontes de renda e potencial redução de tarifas para os usuários. Os mecanismos alternativos de resolução de conflitos, ampliando o uso de métodos como arbitragem, mediação e comitês de resolução de disputas, visando reduzir a judicialização e agilizar a solução de controvérsias contratuais.
- A concessão simplificada, que cria regras para concessões de menor porte, investimentos abaixo de R$ 100 milhões, dispensando exigências como cálculo de tarifa de referência, o que pode acelerar a transferência de serviços à iniciativa privada.
- A vedação à recuperação judicial, impedindo que concessionárias de serviços públicos entrem em recuperação judicial, garantindo a continuidade dos serviços essenciais à população.
Estas medidas visam aumentar a segurança jurídica, atrair investimentos e melhorar a eficiência na prestação de serviços públicos.
Dantas: A lei é bastante compreensiva e é difícil abarcar todas as inovações, mas, se for escolher algumas de destaque, eu diria que o fato de unificar as PPPs e concessões em uma única lei já é um avanço importante para unificar entendimentos e evitar análises e interpretações conflitantes.
Destaco a eventual diminuição para o valor mínimo para se utilizar as PPPs pode beneficiar municípios que hoje não podem estruturar projetos nessas modalidades, mas que têm um potencial enorme, especialmente nos projetos de infraestrutura social.
Também destaco a dinâmica do reequilíbrio econômico financeiro que tem um bom potencial de dar mais previsibilidade e dinamismo ao contrato, que, por ser de longa duração, fatalmente sofrerá alterações ao longo de sua execução. Novos modelos contratuais estão sendo pensados o que pode também trazer alternativas importantes para aplicação do conceito de concessão de uma maneira ainda mais ampla.
Além disso, [o projeto de lei] consolida o papel do TCU [Tribunal de Contas da União] na análise de viabilidade dos projetos, transformando em lei aquilo que já vem sendo praticado. Por fim, entendo que consolida de vez métodos alternativos de resolução de disputas de modo a evitar discussões estéreis e que prejudiquem a execução do contrato em si.
BNamericas: Alguns setores de infraestrutura, por suas particularidades, tendem a se beneficiar mais que outros com esse PL, ou a tendência é de que a proposta tenha um alcance mais igualitário entre os segmentos?
Andrade: O objetivo de modernizar uma lei que já funciona e rege com sucesso os processos de concessão e PPPs no Brasil é exatamente atualizar as necessidades dos setores envolvidos e as demandas da sociedade, que passaram a exigir estruturas mais modernas e seguras nos modais de transportes. Acredito que agora será mais fácil interligar a logística brasileira, destravando investimentos e trazendo benefícios para os usuários dos serviços públicos.
Sogayar: Eu destacaria alguns setores específicos.
- Transporte ferroviário: A possibilidade de aportes públicos em concessões tradicionais é particularmente relevante para ferrovias, que exigem altos investimentos iniciais e têm retorno financeiro a longo prazo.
- Aeroportos: A regulamentação de receitas acessórias pode aumentar a rentabilidade das concessões aeroportuárias, incentivando investimentos em serviços complementares como lojas e restaurantes.
- Energia e saneamento: A clarificação das regras de compartilhamento de riscos e a ampliação dos mecanismos de resolução de conflitos são especialmente importantes para esses setores, que enfrentam desafios regulatórios e operacionais complexos.
No entanto, a tendência é que as mudanças promovam melhorias em diversos segmentos, promovendo um ambiente mais favorável para investimentos em infraestrutura de forma geral.
Dantas: Entendo que o setor de infraestrutura social – hospitais, escolas e saneamento – pode ser beneficiado pelo fato de o valor mínimo ser reduzido. No mais, não vejo uma alteração substancial em relação aos demais setores, já que se trata de uma consolidação de leis e práticas que vem sendo adotadas nas últimas décadas com relativo sucesso.
BNamericas: Quando vocês esperam que o Senado aprove o PL? E quando entrará em vigor?
Andrade: Legalmente, o Senado não tem um prazo para colocar a pauta em votação. No entanto, devido à importância do projeto para o desenvolvimento da infraestrutura e, consequentemente, da melhora dos índices econômicos, acredito que dará prioridade para esse projeto, encaminhando ao final para a sanção do presidente da República.
Sogayar: Considerando o interesse do governo em modernizar o marco legal das concessões e PPPs, é possível que a tramitação no Senado ocorra de forma célere, com aprovação ainda no segundo semestre de 2025.
Dantas: Há uma tendência de que este projeto ande relativamente rápido. Acredito que, se tudo correr como planejado, até o final do ano teremos uma nova lei.
BNamericas: Quais serão impactos de longo prazo, se o PL for aprovado?
Andrade: A modernização da lei trará, em médio e longo prazo, mais previsibilidade ao mercado, atraindo investidores qualificados e com apetite de investir mais no Brasil. O país tem hoje uma legislação condizente com seu potencial econômico e as mudanças garantirão mais crescimento e qualidade nos serviços prestados à população.
Os investimentos em infraestrutura mais dependentes de recursos públicos, como educação e saúde, e até mesmo rodovias mais periféricas, por exemplo, devem ganhar um impulso com a utilização de recursos de fundos públicos como garantia ou fonte de contraprestações. Entre os fundos previstos estão o Fundo Nacional da Saúde (FNS) e fundos estaduais e municipais de saúde, Fundeb (educação) Funpen (sistema penitenciário) Funapol (segurança e Polícia Federal) e Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR).
Estes mecanismos ampliam as opções de estruturação financeira dos projetos, que muitas vezes não se sustentam apenas com tarifas e precisam de garantias para que os recursos do Estado sejam, de fato, destinados a esses empreendimentos no longo prazo.
Sogayar: A modernização da Lei de Concessões Públicas representa um avanço significativo para o setor de infraestrutura no Brasil. Ao incorporar práticas modernas de gestão contratual, como a flexibilização de cláusulas, mecanismos de resolução de conflitos e compartilhamento de riscos, o novo marco legal busca criar um ambiente mais estável e previsível para investidores.
Além disso, a introdução da concessão simplificada pode estimular a participação de pequenas e médias empresas em projetos de menor porte, descentralizando os investimentos e promovendo o desenvolvimento regional.
Em suma, as mudanças propostas têm o potencial de alavancar os investimentos em infraestrutura, melhorar a qualidade dos serviços públicos e contribuir para o crescimento econômico sustentável do país.
Dantas: Um novo marco é positivo e consolida uma prática que reputo como madura e que consolida o Brasil entre os países em desenvolvimento com um dos melhores arcabouços jurídicos para esse tipo de investimento, o que pode atrair ainda mais investimentos estrangeiros de longo prazo.