Perda de concessionárias na pandemia deve elevar pedágio e conta de energia
Empresas discutem com as agências reequilíbrio de contratos; nos aeroportos, efeito é para o Tesouro com redução de outorga
Congonhas será primeiro aeroporto da América Latina com tecnologia EMAS.
Os efeitos da pandemia sobre a atividade econômica ainda devem pesar no bolso do consumidor com a revisão, para cima, no valor de tarifas de energia e pedágio para compensar os concessionários pela queda de demanda. O Tesouro já vem sentindo, com a redução de R$ 1,9 bilhão nos pagamentos pela outorga de aeroportos.
Os três setores têm hoje processos de reequilíbrio econômico-financeiro de contratos em discussão com agências reguladoras. E a expectativa é que a recuperação das perdas de 2020 não será a última etapa, já que a segunda onda da pandemia deve levar a novos processos sobre 2021.
As concessionárias de aeroportos estão mais adiantadas: até agora, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) já concluiu o reequilíbrio de nove concessões, que receberam descontos na outorga devida ao governo para compensar a redução média de 56,4% no fluxo de passageiros em 2020.
Consumidor será impactado com alta de tarifas de energia e pedágio; ideia é repassar à tarifa a perda de fluxo – Folhapress Falta apenas o aeroporto de Viracopos, processo mais complexo porque a concessionária pediu recuperação judicial e o projeto será relicitado. Maior aeroporto do Brasil, Guarulhos teve a maior indenização, de R$ 855 milhões.
Nesse setor, o impacto maior é para o Tesouro, mas usuários dos aeroportos de Porto Alegre e Florianópolis também sentirão os efeitos, já que a Anac autorizou também elevação das tarifas.
Para o presidente da Aneaa (Associação Nacional das Empresas Administradoras de Aeroportos), Dyogo Oliveira, as negociações resolveram os problemas de 2020, mas a mesa terá de ser reaberta para discutir os impactos de 2021.
“O movimento ainda está fora do padrão”, diz ele. No primeiro trimestre, segundo a Anac, os aeroportos brasileiros tiveram metade do número de passageiros verificado no mesmo período de 2019.
Reequilíbrio econômico-financeiro é uma medida prevista em contratos de concessão para adequar as receitas do concessionário a variações abruptas nas condições econômicas preestabelecidas. No setor elétrico, essa questão é equacionada por meio de revisões extraordinárias das tarifas.
Atualmente, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) discute a metodologia para repassar às tarifas a queda de faturamento do setor em 2020. Em um primeiro momento, as distribuidoras foram socorridas por empréstimo conhecido como Conta-Covid, fechado em junho para ajudar as empresas a pagar suas contas.
Este empréstimo já está sendo pago na conta de luz. Agora, o setor discute como equacionar a questão a longo prazo. Além da perda de faturamento, alega que precisa incluir na conta o aumento da inadimplência e o gasto com a sobra de energia que ficou sem ter para quem vender.
No fim de 2020, a Abradee (associação de distribuidoras de energia) calculava que o rombo girava em torno de R$ 5 bilhões. Mas o presidente da entidade, Marcos Madureira, diz que a conta tem que ser refeita para englobar os efeitos da segunda onda.
A possibilidade de revisão extraordinária, porém, tem oposição do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), que apresentou à Aneel parecer que questiona a legalidade do uso do mecanismo por perda de receita.
“Eles defendem que a recomposição tarifária é devida a partir de uma expectativa de receita projetada, como se qualquer frustração tivesse necessariamente a ver com a pandemia”, diz o professor da Faculdade de Direito da USP Diogo Coutinho, autor do parecer.
Ele defende que o modelo de concessão do setor elétrico transfere parte dos riscos de demanda aos concessionários, o que lhes garante maior lucro em casos de explosão do consumo. “Quando a demanda expande, podem ganhar, mas contrai, em alguma medida, tem que ser em parte corresponsável.”
Madureira concorda que, “em condições normais”, a queda de demanda deve ser absorvida pelas empresas. “Mas não estamos em condições normais”, argumenta.
O presidente da Abradee diz que o setor não pleiteia o repasse imediato da revisão, para evitar onerar o consumidor ainda durante a crise. A ideia, afirma, é reconhecer perdas nos ativos das empresas, para que seja considerado em revisões tarifárias futuras.
Nem todas as empresas concessionárias de um setor têm direito ao reequilíbrio, que é dado só às que tiveram perdas reais em seu faturamento.
No setor de rodovias, por exemplo, concessões com maior fluxo de cargas sofreram menos do que aquelas em centros urbanos, usadas como trajeto entre casa e trabalho —caso das duas que mais perderam tráfego em 2020, a Rio-Teresópolis (-16.40%) e a ponte Rio-Niterói (-15,61%).
Com fluxo do agronegócio, a BR-050 (Goiás-Minas Gerais) teve alta de 5,51% no tráfego.
A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) propõe que o cálculo seja feito com base em estimativa de tráfego calculada pela média dos últimos anos, com margem de erro de 5% para cima ou para baixo.
A ideia é repassar à tarifa a perda de fluxo em relação à banda inferior, compensando eventuais momentos de fluxo superior ao teto da projeção.
A agência tenta diluir a alta a longo prazo em contratos mais novos para evitar impacto abrupto, mas a alta tende a ser maior nos mais antigos. Nos que estão para vencer, como a rodovia Presidente Dutra, a compensação da perda será feita no encontro final de contas para encerrar o contrato.
“A variação de tráfego é um risco do concessionário, mas, como a pandemia foi tão extraordinária, a gente vai transferir parte disso para o concedente”, diz o superintendente de Infraestrutura Rodoviária da ANTT, André Freire. O presidente da ABCR (Associação Brasileira de Concessões Rodoviárias), Marco Barcellos, diz que ainda não há consenso no setor sobre a proposta da ANTT, que fica em audiência pública até quinta (6).
Ele afirma, porém, que a recomposição das perdas de 2020 não resolverá o problema, já que o setor também sofre com queda no tráfego em 2021. “A gente vinha num cenário de retomada no fim de ano, mas, com recrudescimento da pandemia os índices de movimentação voltaram a cair”, afirma.
A entidade estima que, entre abril e junho de 2020, a perda tenha sido de R$ 1,3 bilhão. Mas ainda levará tempo para que se conheça o tamanho real do rombo, diz Barcellos, que pode ter efeitos permanentes, como a redução no fluxo de veículos de passeio.
Na avaliação do advogado Paulo Dantas, sócio do Castro Barros Advogados, agências e concessionários têm evoluído no debate com facilidade, mas a duração dos efeitos da pandemia gera o risco de que os impactos ao consumidor sejam cada vez mais fortes, dificultando as negociações.
A advogada Letícia Queiroz, do escritório Queiroz Maluf, lembra que, além de concessões federais, contratos assinados por governos estaduais também demandam o reequilíbrio financeiro, mas as discussões ainda nem começaram na maior parte dos estados.