Setor de seguros pode ter perdas bilionárias com chuvas no RS
A persistência das enchentes e dos riscos de deslizamentos causados pelas chuvas no Rio Grande do Sul vai afetar todo o mercado de seguros e pode causar prejuízos semelhantes a outro evento catastrófico ocorrido no Estado, a seca de 2022. Na ocasião, segundo dados da Federação Nacional das Seguradoras (FenSeg), o mercado segurador registrou um desembolso de R$ 8,9 bilhões em indenizações ao setor agrícola, enquanto os cálculos de perdas totais apenas nas lavouras variaram de R$ 18,2 bilhões, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CMN), a R$ 31,7 bilhões, conforme a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).
Dessa vez, segundo o vice-presidente da comissão de seguro rural da FenSeg, Daniel Nascimento, “os maiores prejuízos não estarão do seguro agrícola, como no caso da seca”. Na visão do especialista, “os impactos devem afetar o mercado segurador como um todo”. Especialistas citam coberturas tão variadas quanto auto, residencial, condomínio e vida, no caso das pessoas físicas, quanto lucro cessante, riscos operacionais, de máquinas agrícolas, compreensivo empresarial e seguros atrelados a concessões públicas, no caso empresarial.
O presidente da BMG Seguros, Jorge Sant’Anna, avalia haver meio bilhão em prejuízos já mapeados para o setor, mas diz que o volume total pode alcançar as dezenas de bilhões de reais. “Apesar de ser difícil mensurar as perdas, o mercado já fala em cerca de prejuízos de R$ 500 milhões até o momento, podendo ficar entre R$ 25 bilhões e R$ 40 bilhões. Deste total, as resseguradoras teriam que responder por cerca de R$ 10 bilhões.”
Para efeito de comparação, as enchentes ocorridas em setembro de 2023 também no Rio Grande do Sul causaram perdas da ordem de R$ 3 bilhões. No ano passado, esse evento climático durou apenas alguns dias, enquanto as previsões para a crise atual indicam que o nível dos rios que transbordaram pode levar semanas até se normalizar.
De acordo com Sant’Anna, as estimativas são aproximadas e vão depender da extensão dos problemas, já que apenas uma pequena parte de pessoas ou empresas acionaram os sinistros. Conforme Nascimento, da FenSeg, “os avisos de sinistros ainda estão em número limitado, porque as pessoas têm preocupações maiores neste momento”. Para o dirigente, “a tendência é de a quantidade de avisos subirem nos próximos meses, conforme o cenário se normalize”.
O sócio do escritório Machado Meyer Cássio Amaral, afirma que o cenário no Rio Grande do Sul mostra que as perdas tendem a serem similares, “senão maiores”, do que as vistas na seca que afetou o setor agrícola em 2022. “No caso das empresas, o cenário é severo, porque se tem quebra de máquina, paralisações de atividade, lucro cessante e outros eventos, isso entra nas coberturas de riscos operacionais, de seguros compreensivos das indústrias e até de concessões.”
Na visão de Carlos Ximenes, sócio do escritório Castro Barros Advogados, “ainda que não é possível mensurar os danos neste momento, mas já se sabe que terão impactos por seguros de diversos ramos, de vida à garantia, passando inclusive por grandes eventos —- até os jogos de futebol serão adiados por algum tempo”. Para o especialista, “além de vidas, carros e casas perdidas, o Estado vai precisar de grandes obras para reconstruir rodovias e o patrimônio público”.
A especialista e sócia de seguros do Campos Mello, Marcella Hill, chama a atenção para o fato de que o aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, tende a ficar várias semanas fechado. “O impacto será significativo nessa parte de aeroporto, aeronaves, companhias aéreas que vão ter de paralisar linhas, e no patrimônio das empresas, por isso, ainda é difícil de dimensionar os custos, porque há perdas que ainda vão ocorrer”, explica.
Mercado fala em prejuízos de cerca de R$ 500 milhões até o momento”
— Jorge Sant’Anna
O CEO da Guy Carpenter, Pedro Farme, faz avaliação semelhante. “Os danos maiores serão em apólices de habitacional que incluem cobertura de alagamento no DFI [cobertura de danos físicos aos imóveis], apólices de automóvel, riscos pecuários dados os danos em regiões de criação de gado, e também em coberturas de lucros cessantes quando previstas em atividades industriais e comerciais”, afirma. “O ramo aeronáutico sofrerá também com possíveis perdas vindas do aeroporto central de Porto Alegre e outros impactos de aviação regional.”
Apesar das expectativas de parte do mercado, o diretor da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Carlos Queiroz, acredita que a situação está sob controle. “A Susep está tranquila e monitora a situação, tanto em relação ao atendimento aos segurados quanto aos aspectos financeiros das seguradoras”, diz. “O mercado trabalha com bons contratos de resseguros.”
Segundo Queiroz, mesmo as companhias sediadas no Rio Grande do Sul estão funcionando normalmente. “Por enquanto, não há nenhum sinal de alerta”, completa. O seguro rural deve ser afetado. Para este ano, a expectativa é que a sinistralidade volte a crescer, afetada pela crise no território gaúcho.
Farme, da Guy Carpenter, discorda da avaliação de que os prejuízos possam se assemelhar aos vistos em 2022, porque, em sua opinião, haverá mais contestações e eventuais exclusões de coberturas. “Não devemos chegar perto das cifras das perdas seguradas de safra de 21/22”, afirma. “Para o caso atual, apesar de destruição e impactos em enorme escala e em todas as classes econômicas e regionais, o debate será maior, pois, em geral, seguros de multirrisco patrimonial, condomínios e outros não oferecem automaticamente cobertura de alagamento, o que poderá levar a recuperações mais baixas.”
O especialista enxerga, no entanto, um maior potencial de volume de perdas financeiras entre os produtos voltados às empresas. O impacto será mais significativo, por exemplo, “nas coberturas de lucros cessantes, que são compradas por grandes industriais e atividades mais complexas”.
O CEO da HDI, Eduardo Dal Ri, também compartilha a visão de que as perdas serão mais limitadas. “Ao nosso ver, as perdas não são mensuráveis ou comparáveis [com as da seca de 2022]”, diz. “Algo que podemos discutir, entretanto, são os pontos de atenção levantados diante dessas catástrofes: estão se tornando cada vez mais frequentes — 70% das ocorrências devido a desastres naturais se deram entre 2020 e 2023, considerando a última década, de acordo com a Confederação Nacional das Seguradoras”, avalia o executivo.
Apesar do potencial de perdas catastróficas, os especialistas veem impacto relativamente controlado para o setor devido à pulverização dos riscos subscritos. Analistas do Bank of American (BofA) avaliaram a exposição das seguradoras listadas em relação ao Rio Grande do Sul. Segundo relatório do banco, a diversificação geográfica e de produtos é fundamental para as seguradoras.
Os especialistas do BofA indicam que entre 5% a 9% dos prêmios das seguradoras listadas foram emitidos no Estado. O banco aponta que BB Seguridade é a mais exposta, com 9% do total de prêmios, seguida pela Caixa Seguridade, com 7% de exposição, Bradesco Seguro e Porto Seguro, com 5% cada. “É importante ressaltar que a diversificação de produtos provavelmente reduz a exposição real aos desastres no Rio Grande do Sul para menos de 3% do total de prêmios, considerando apenas linhas com potencial impacto (hipoteca residencial, comercial, imobiliário, automóvel, agrícola e penhor rural).”
Há ainda o risco de um efeito colateral no pós-crise. Conforme Sant’Anna, da BMG Seguros, a situação deve ter impacto sobre o mercado de resseguros no Brasil. “Desde 2022, a crise do agronegócio provocou uma perda enorme para os resseguradores no Brasil. O resseguro no país vai passar por uma reprecificação para cima, e justamente no momento em que precisamos para o PAC”, diz.
“Há uma tendência de o Rio Grande do Sul sofrer no pós-desastre em termos de custos de renovação de cobertura e aceitação de riscos”, afirma o sócio do Machado Meyer Thomaz Kastrup. “Os resseguradores internacionais vão olhar para o Brasil com muito mais cuidado. A região Sul toda vai ser impactada em termos de preço.”