A (curta) janela de oportunidade do hidrogênio verde no Brasil
Conforme a agenda do hidrogênio verde avança, maior é o entusiasmo e também os desafios que se apresentam. Já é um fato consumado que o Brasil tem um potencial enorme para ser um dos maiores – talvez o maior – produtor de hidrogênio no mundo. Com sua matriz energética essencialmente renovável (cerca de 80%), o Brasil sai na frente de vários países que ainda estão iniciando a sua transição energética e ainda dependem fortemente dos combustíveis fósseis.
Além disso, conforme aponta recente estudo realizado pelo Itaú BBA intitulado “How Can Brazil Benefit From Global Renewable Trends?”, projeções do custo nivelado da energia (cuja sigla em inglês e praticada no mercado é LCOE), que representa o custo por megawatt-hora, em unidades monetárias, descontadas o Capex e o Opex de uma usina geradora durante todo o seu ciclo de vida útil econômica, também indica uma vantagem competitiva para o Brasil em relação aos demais países que estão analisando este novo mercado.
Ainda que haja algumas críticas para a utilização do LCOE como critério exclusivo de decisão, é um ótimo indicativo para demonstrar que o Brasil é um forte candidato a ser um dos protagonistas deste mercado. E nesse sentido acabamos nos deparando com um paradoxo. Como todo desenvolvimento de uma indústria, especialmente aquela que depende de uma infraestrutura robusta, tanto os projetos quanto os resultados devem sempre considerar o longo prazo.
No entanto, a janela de oportunidade para que o Brasil seja de fato o protagonista desta nascente indústria é curta. Isso porque é preciso uma coordenação central para a criação dos incentivos corretos para a atração de interessados no desenvolvimento imediato das soluções que terão a sua plena capacidade de produção em um espaço estimado entre 10 anos e 20 anos.
Mas as bases para uma política pública bem estruturada e até mesmo ousada precisam ser lançadas agora. Um indicativo positivo nesse sentido é que a Consulta Pública para o Plano de Trabalho Trienal do Programa Nacional do Hidrogênio foi prorrogada e recebeu contribuições até o dia 27 de fevereiro de 2023.
Mas para que essa agenda funcione é preciso uma coordenação tanto em nível governamental, por meio dos diversos ministérios que serão partícipes do processo, quanto das agências reguladoras que irão participar do processo, dos setores envolvidos, direta ou indiretamente, e dos diversos produtores de energia que serão fatores determinantes dessa equação.
Os Estados Unidos já iniciaram o seu ambicioso projeto de US$ 8 bilhões para a criação de diversos hubs de produção de hidrogênio espalhados pelo país. O mesmo pode ser reproduzido no Brasil. Com uma forte preponderância dos estados do Nordeste do Brasil – seja por sua posição geográfica mais próxima do Hemisfério Norte, seja pelas condições climáticas -, a realidade é que é possível criar diversos hubs espalhados pelo Brasil. São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul são exemplos disso.
Mas além do óbvio caráter transacional da produção do hidrogênio, há que se considerar que o Brasil pode se beneficiar de forma ainda mais decisiva com a criação destas indústrias, já que um dos subprodutos do hidrogênio verde é a amônia, material essencial para a produção de fertilizantes. O pujante setor do agronegócio brasileiro pode ser o grande beneficiário.
De acordo com o estudo do Itaú BBA mencionado acima, cerca de 80% da demanda do hidrogênio verde durante a próxima década será destinada para a produção de fertilizantes e refino de óleo. Para que isso tudo possa ocorrer é preciso uma política coordenada e ousada, de forma a garantir o crescimento da produção de energia renovável, notadamente as solares e eólicas, combinado com os incentivos corretos para que toda a cadeia de produção do hidrogênio se beneficie desta iniciativa e, claro, em última análise, toda a sociedade.
Um arcabouço legal e regulatório estruturado que acompanhe as tendências do mercado mundial, mas que não fique restrito a elas, é essencial e precisa ser iniciado agora. O Brasil é uma força da natureza, mas não é raro desperdiçá-la por má gestão, corrupção e variações do tema. Uma nova oportunidade se descortina, mas ela não ficará aberta por muito tempo.
*Paulo Henrique Spirandeli Dantas é advogado especializado em Infraestrutura e Direito Administrativo e sócio do escritório Castro Barros Advogados. Escreve periodicamente para a Coluna Legal, do Broadcast Energia.