A tentativa de salvar a Amazonas Energia e seu impacto o setor elétrico nacional
Foi publicada, no dia 12 de junho de 2024, a Medida Provisória 1.232/2024, que tem por objetivo, pelo menos do ponto de vista formal, promover a sustentabilidade da concessão de distribuição de energia elétrica do Estado do Amazonas, a Amazonas Energia.
Para isso, prevê mecanismos para facilitar a conversão de contratos de termelétricas em Contratos de Energia de Reserva (CER) e a flexibilização de parâmetros regulatórios, conforme será demonstrado abaixo. A solução encontrada é legalmente possível e tem sua justificativa para evitar a descontinuidade de um serviço essencial em uma região do Brasil que enfrenta todo tipo de desafios em sua infraestrutura.
No entanto, o momento em que ela foi publicada coincidiu – nas palavras do governo federal – com a compra de algumas usinas termelétricas da Eletrobrás na região pela empresa Âmbar Energia, que seriam indiretamente beneficiadas pelos dispositivos da MP 1.232/2024. Por outro lado, o governo entende que essa medida irá gerar uma economia de cerca de R$ 2 bilhões por ano na Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e que os benefícios não estariam restritos às usinas adquiridas pela Âmbar Energia naquela região.
Apesar das polêmicas, a MP 1.232/2024 é um exemplo interessante de como tentar solucionar um problema concreto por meio de ajustes regulatórios e eventual transferência de concessão em condições de modo a evitar processos longos, demorados e que possam colocar em risco – ainda mais – a própria prestação do serviço. Por isso, faremos uma análise um pouco mais detida dos quatro artigos da MP 1.232/2024.
O artigo 1º trata da possibilidade da conversão de contratos de compra e venda de energia elétrica entre distribuidoras e termelétricas, que tenham despesas de transporte de gás natural reembolsáveis pela Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), em Contratos de Energia de Reserva (CER).
O intuito seria reduzir o excesso de energia contratada pela distribuidora e aliviar o ônus sobre os consumidores. As minutas serão elaboradas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em até 45 dias após a publicação da MP 1.232/2024, e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) será a responsável por concluir o processo de assinatura dos contratos em até 15 dias após a definição da agência reguladora.
O artigo 2º prevê a transferência de controle societário de distribuidoras de energia elétrica em Estados cujas capitais não estavam interligadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN) até dezembro de 2009. Essa previsão tem com objetivo servir como uma alternativa à extinção da concessão, no caso de a Aneel entender não haver condições técnicas, econômicas ou operacionais para a prestação do serviço.
Para que a transferência seja possível, o novo controlador deverá comprovar sua capacidade técnica e econômica de modo a estabelecer um plano de recuperação econômico-financeira da concessão. Toda essa operação poderá contar com o suporte da CCC, especialmente do ponto de vista de ajustes regulatórios que possam ser necessários.
O artigo 3º, por sua fez, fala exatamente da possibilidade de uma flexibilização regulatória expressada em determinados dispositivos da Lei 12.111/2009 e da Lei 12.783/2013, que limitavam a quantidade de energia considerada para atendimento aos sistemas isolados ao nível eficiente de perdas regulatórias. A intenção é adaptar para que seja considerada um patamar abaixo do que seria considerado eficiente, para se adequar às condições específicas da região Norte do País.
De acordo com a exposição de motivos, a MP 1.232/2024 se justificaria pelas dificuldades financeiras que a concessionária de energia elétrica do Amazonas tem enfrentado nos últimos anos, o que ameaçaria a continuidade na prestação dos serviços. Essas dificuldades teriam sido provocadas por problemas nas condições técnicas, operacionais e regulatórias desfavoráveis, somados ao alto endividamento da concessionária.
A MP, portanto, permitiria a transferência de controle da distribuidora como forma de garantir a continuidade de serviço com o menor impacto tarifário possível para os consumidores. Além disso, a medida provisória se justificaria por tornar possível a conversão dos contratos de termelétricas em CER, de forma a ajustar a oferta de energia à demanda real, o que poderia trazer benefícios não só ao Estado do Amazonas, mas para todo o setor elétrico brasileiro.
Por fim, outra justificativa seria a necessidade de flexibilizar alguns dispositivos regulatórios que não se coadunam com a realidade da região Norte do Brasil, de forma a garantir uma equidade tarifária compatível com diferentes regiões do País. A MP 1.232/2024 está vigente e deverá passar pelo seu trâmite normal até ser transformada em lei, ou não. De toda forma, atende a um anseio de se resolver uma concessão bastante deficitária e evitar a necessidade de uma intervenção e até mesmo sua caducidade, que poderiam ser muito mais gravosas para a população local do que as alterações propostas na MP 1.232/2024.
*Paulo Henrique Spirandeli Dantas é advogado especializado em Infraestrutura e Direito Administrativo do escritório Castro Barros Advogados e escreve periodicamente para a Coluna Legal, do Broadcast Energia.
Este artigo representa exclusivamente a visão do autor.