Trabalhista
Estadão

A urgência na flexibilização das normas trabalhistas diante da COVID-19

Após a aprovação pela Câmara dos Deputados na última quarta-feira, dia 18, do estado de calamidade pública no país, que permite ao governo ampliar os gastos públicos, o Ministério da Economia informou, na mesma data, que está trabalhado na edição de uma medida antidesemprego, que visa flexibilizar, temporariamente, algumas das regras contidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O objetivo é tentar evitar demissões em massa durante a pandemia do coronavírus (covid-19).

A medida ainda não foi aprovada, mas, entre as sugestões previstas estão ações que flexibilizam as normas trabalhistas. São elas a suspensão do contrato de trabalho, mas com condicionantes ainda não confirmadas pelo governo; redução proporcional da jornada de trabalho e de salário em até 50%, mediante acordo individual; simplificação dos requisitos legais para adoção do teletrabalho, principalmente entre os funcionários com mais de 60 anos ou pertencentes ao grupo de risco ao coronavírus; antecipação de férias individuais; redução do prazo para aviso de férias individuais e coletivas; dispensa de notificação do sindicato e Ministério da Economia acerca da adoção de férias coletivas; flexibilização das regras do banco de horas; diferimento do prazo de pagamento do FGTS durante o período de calamidade; suspensão de exames médicos admissionais, periódicos e demissionais, para não sobrecarregar o sistema de saúde; e redução em 50% das contribuições do Sistema S por três meses.

A medida em avaliação encontra respaldo no Art. 8 da CLT, que dispõe que, na hipótese de ausência de lei, as autoridades administrativas e as Cortes Trabalhistas devem considerar a preponderância do interesse público sobre o privado. Portanto, no atual contexto de calamidade pública mundial e inédita, justamente em razão do clamor público de se manter os empregos e atenuar os reflexos econômicos e sociais decorrentes da pandemia de covid-19, é premente que seja reconhecida a possibilidade de se flexibilizar os direitos trabalhistas, em especial, por meio de acordos escritos diretamente com os empregados, como mecanismo de preservação do interesse público e da continuidade da atividade empresarial no país.

Importante lembrar da necessidade de bom-senso diante da gravidade do problema, seja por parte da justiça trabalhista, seja por parte dos empregadores. Sujeitar qualquer flexibilização de direitos a mediações com sindicatos é, com o devido respeito, desconsiderar a literal virulência dessa crise, que ameaça jogar a economia do Brasil (sem falar nas de outros países) em uma verdadeira depressão, situação fulminante para as empresas, as geradoras de empregos que a justiça do trabalho busca proteger. Se a intenção é proteger os empregos, proteger as empresas é também uma medida lógica, imprescindível, sobretudo nesta hora de extrema vulnerabilidade.

Em recente manifestação quanto às medidas em avaliação pelo governo, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) emitiu nota esclarecendo que é necessária a mediação dos sindicados em relação à flexibilização dos direitos trabalhistas e, também, que “Qualquer medida que tenha como norte, neste momento, a redução de salários é precipitada e potencialmente nociva ao trabalhador”.

Contudo, no atual cenário de pandemia ora vivenciada no País e no mundo, a imposição de condicionantes à imediata aplicação das medidas de socorro econômico pelas empresas pode acarretar o agravamento da situação econômica e na criação de uma crise social no País.

É importante destacar que pandemia mundial de covid-19 caracteriza-se, sob o ponto de vista das leis do trabalho, em evento de força maior, o que legitima, para todos os efeitos, a flexibilização das regras trabalhistas, como mecanismos de viabilizar uma solução rápida para assegurar a continuidade das atividades empresariais, e, por consequência, dos empregos do país.

Além disso, analisando os posicionamentos da própria Justiça do Trabalho em casos anteriores, é possível concluir que a edição da Medida antidesemprego vai ao encontro da jurisprudência. Isso pode ser mais bem ilustrado nas controvérsias relacionadas aos casos de dispensas em massa, em que as Cortes Trabalhistas, sob o fundamento de preservação do emprego, passaram a prever como requisito de validade, a negociação prévia de medidas alternativas, como concessão de férias coletivas e redução da jornada e salário, por exemplo.

Ora, se o ponto em comum dos fundamentos legais para não proceder com as demissões em massa foi o de preservar empregos, como então entender que os instrumentos para preservar o emprego naquelas ocasiões não seriam aplicáveis agora, por meio de uma medida governamental, quando se impõe a necessidade de preservar os empregados em escala nacional?

Por todo o exposto, ante a incerteza do momento social e econômico vivido pelo País, bem como diante da existência de princípios constitucionais regidos pela supremacia do interesse público sobre o privado, as medidas avaliadas pelo governo, que visam flexibilizar as regras trabalhistas, devem se tornar válidas e efetivas, com vistas à manutenção não somente da saúde e integridade física dos empregados, quanto para reduzir o desemprego, fomentar o consumo consciente, bem como minimizar os impactos econômicos da covid-19, já sabidamente drásticos e catastróficos.

*Valéria Wessel S. Rangel de Paula é head da área trabalhista do Castro Barros Advogados. Atua em questões de natureza trabalhista e previdenciária, na assessoria de empresas nacionais e estrangeiras. Atua também com contencioso trabalhista, coordenação e condução de processos judiciais e administrativos e no desenvolvimento de soluções alternativas de conflitos trabalhistas como a arbitragem

*Eduardo Masson de Oliveira é advogado do Castro Barros Advogados com atuação em contencioso, assessorando empresas nacionais e estrangeiras em reclamações trabalhistas. Atua também na análise de contratos de trabalho e avaliação de aspectos trabalhistas relacionados a fusões e aquisições, rescisões individuais e coletivas de contratos de trabalho

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