Acesso ao ambiente de contratação livre pela Administração Pública
Um dos maiores gastos que a Administração Pública possui é o consumo de energia elétrica. Não raro se tornam inadimplentes e pressionam todo o sistema até que uma solução seja encontrada, o que pode levar anos para se concretizar.
O consumo eficiente de energia e medidas para garantir a segurança energética estão em pauta, e otimizar o consumo de energia por órgãos públicos deveria estar no centro dos debates.
Alternativas existem, mas é preciso aplicá-las o quanto antes. Uma delas é permitir aos órgãos públicos o acesso ao chamado Ambiente de Contratação Livre de energia, que, em linha gerais, consiste na compra e venda de energia elétrica por meio de contratos bilaterais livremente negociados. Em outras palavras, fora do ambiente de contratação regulada.
Não se trata exatamente de uma novidade, já houve algumas tentativas no passado, mas talvez o exemplo mais recente seja a audiência pública realizada pela Prefeitura de São Paulo referente à Parceria Público Privada (PPP) para a migração, gestão e suprimento da energia elétrica no Ambiente de Contratação Livre de unidades consumidoras da Administração Pública Direta do Município de São Paulo, realizada em 2022.
Dentro do contexto do Programa Energia Limpa da Prefeitura de São Paulo, o objetivo é atrelar à implementação de usina geradora de fonte incentivada na modalidade autoprodução, que também faz parte programa, para permitir que 34 órgãos da administração pública direta se tornem independentes no suprimento de energia, de forma a garantir a segurança no suprimento e economia orçamentária.
A ideia, portanto, está totalmente aderente ao momento em que vivemos e pode ser um exemplo a ser seguido pelas demais prefeituras do País, independente de seu tamanho e capacidade financeira.
De todo modo, os desafios são tão grandes quanto a oportunidade que se apresenta.
Em linhas gerais, não haveria nenhum impedimento para que órgãos da administração pública direta ou indireta pudessem ter acesso ao Ambiente de Contratação Livre, uma vez que os requisitos são mais técnicos (relacionados à carga e à tensão) do que propriamente da natureza jurídica do consumidor de energia, mas a forma de contratação pode ser algo a se discutir.
A Prefeitura de São Paulo optou pela modalidade de parceria público privada na modalidade concessão administrativa, na qual toda a contraprestação será pela Prefeitura de São Paulo, cabendo ao concessionário “executar todos os procedimentos enquanto representante do Poder Concedente, realizar a adequação do sistema de medição para faturamento e a gestão dos contratos de comercialização de energia, equilibrando com a geração mínima da usina de autoprodução”.
Este modelo talvez não seja o mais adequado para prefeituras que não tenham o mesmo porte da Prefeitura de São Paulo, mas há outras formas que podem ser utilizadas, notadamente aquelas previstas na Lei de Licitações, especialmente na sua nova configuração trazida pela Lei 14.133/21. Aqui vale dizer que a Lei 14.133/21, que
tem por objetivo substituir a Lei 8.666/93, não manteve como hipótese de dispensa de licitação prevista para “contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado”.
Portanto, há que se considerar a realização de licitação para que se possa contratar no Ambiente de Contratação Livre. As modalidades podem ser das mais diversas, mas pela leitura sistemática da nova lei é razoável supor que poderá haver uma predominância do pregão em que o critério de julgamento é o de menor preço ou maior desconto. No entanto, não se pode descartar a possibilidade de uma concorrência que pode ter como critério de julgamento, além daqueles citados anteriormente, o de melhor técnica, técnica e preço e maior retorno econômico.
O fato é que é muito provável que um procedimento licitatório seja necessário, mas isso não pode ser visto como um impedimento em si, muito pelo contrário. Quanto mais transparente e competitivo for o certame – e o seu processo de formação -, melhor serão as condições, tanto para aquele que irá fornecer a energia, afinal há quase uma demanda garantida, como para os órgãos contratantes, que poderão se beneficiar de preços mais competitivos do Ambiente de Contratação Livre e garantir a eficácia energética, um ponto fundamental em toda essa discussão.
É preciso, pois, abandonar a ideia de que o setor público é inimigo da iniciativa privada e vice-versa. Há diversas oportunidades que estão para serem exploradas e, no caso ora em análise, com a criação de um mercado bastante promissor, que olhando de forma sistêmica pode acarretar diversos benefícios para a sociedade. Para tanto é preciso uma combinação de uma visão de oportunidade de negócios dos entes privados com a construção das condições ideais pelos entes da Administração Pública.
A melhor forma de fazê-lo é por meio dos instrumentos legais já disponíveis, com a maior transparência possível. Estamos falando de um mercado em potencial de grande relevância que vários interessados poderão se beneficiar.
Além disso, considerando o tema ora tratado, é preciso levar em conta que projetos dessa natureza poderão ter acesso a fontes de financiamento que em condições normais de temperatura e pressão não estariam disponíveis, especialmente por estarem ligados à temática ESG (práticas ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês).
Uma coordenação setorial nesse sentido é fundamental, de forma a tornar os diálogos mais produtivos e efetivos, de modo a atingir o próprio conceito de segurança energética, que, como bem preceitua a Agência de Energia Internacional, é a oferta e disponibilidade de serviços energéticos a todo momento, em quantidade suficiente e a preços acessíveis.
Paulo Henrique Spirandeli Dantas é advogado especializado em Infraestrutura e Direito Administrativo do escritório Castro Barros Advogados e escreve periodicamente para a Coluna Legal, do Broadcast Energia.