Hidrogênio verde ganha relevância com guerra e na busca de alternativa energética
Em meio aos desdobramentos da guerra na Ucrânia, a Comissão Europeia comunicou, no dia 8 de março de 2022, o REPowerEU, cujo objetivo é tornar a Europa independente dos combustíveis fósseis russos bem antes de 2030, marco que havia sido estabelecido para zerar ou aproximar do zero as emissões de carbono no continente.
De acordo com o pronunciamento da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, “o quanto mais rápido mudarmos para renováveis e hidrogênio, combinado com maior eficiência energética, mais rápido ficaremos verdadeiramente independentes e dominaremos nosso sistema de energia”.
Fica claro, pois, que se a Europa já demonstrava sua firme intenção em investir maciçamente em fontes alternativas de energia, a guerra na Ucrânia tornou-a em prioridade absoluta.
Nesse contexto, o hidrogênio verde assumirá um papel ainda mais relevante e em uma velocidade maior do que aquela que se poderia esperar. Desse modo, a janela de oportunidade da qual temos tratado em nossos artigos anteriores será ainda menor.
A agenda do hidrogênio verde no Brasil deveria ser uma das prioridades, de modo a criar as condições necessárias para que seja atendida esta demanda que não está mais em um futuro tão distante. Um dos pontos centrais para que essas condições sejam criadas é discutir abertamente a melhor forma de regulamentação de modo a estabelecer bases firmes para toda uma indústria que deverá ser desenvolvida. Afinal, o hidrogênio verde, além da sua produção – que exige grandes quantidades de água e de energia -, deve contar com o armazenamento, transporte e distribuição, cada qual com suas particularidades.
Em um mundo ideal, estas regras e/ou regulamentos deveriam ser centralizadas em um único órgão, preferencialmente uma agência, que possua um corpo técnico capacitado para tanto. Nesse particular, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) surge como uma candidata natural. Além de sua vasta experiência regulatória, afinal é uma das agências pioneiras criada após a grande reforma administrativa que observamos em meados dos anos 90 do século passado, possui capacidade técnica para encarar o desafio. O problema é que a energia elétrica é apenas parte do processo e não o produto final, o que fatalmente exigiria uma alteração nas funções designadas na lei de criação da agência, que é clara ao delimitar sua finalidade como sendo a de regular e fiscalizar a produção, transmissão e comercialização de energia elétrica.
Outra agência que pode ser considerada a levar adiante este debate é a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Criada dentro do contexto de uma política energética nacional, a ANP poderia assumir este papel, até por já deter conhecimento em relação ao hidrogênio derivado de combustíveis fósseis, que hoje é designado hidrogênio cinza. No entanto, tal qual ocorre com a Aneel, esta não é a finalidade designada em lei, que se restringe a promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis.
Finalmente, pode-se considerar também a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), recém-reformulada pelo novo marco de saneamento básico, como parte interessada nesta discussão, afinal a água é fator determinante para a eletrólise, que irá produzir o hidrogênio verde.
A bem da verdade, esta oportunidade exigirá do Brasil algo que não estamos acostumados a fazer, uma junção de esforços e criação de uma política pública que possa atender a uma demanda que, como visto acima, já não é mais uma promessa, mas uma necessidade.
A coordenação de esforços das agências mencionadas acima será de fundamental importância para que sejam criadas as condições ideais para o fomento de uma nova indústria no Brasil. Um bom parâmetro pode ser o White Paper denominado When and How Regulate Hydrogen Networks?, elaborado pelos reguladores de energia europeus ACER (European Union Agency for the Cooperation of Energy Regulators) e CEER (Council of European Energy Regulators) e publicado em 9 de fevereiro de 2021, que em linhas gerais analisa (i) as circunstâncias nas quais a regulação da cadeia do hidrogênio é necessária; (ii) como tratar a estrutura de hidrogênio existente; e (iii) como enfrentar os desafios regulatórios relacionados ao reposicionamento da infraestrutura de gás para se dedicar ao transporte de energia.
É claro que os desafios regulatórios do produtor de hidrogênio serão diferentes daqueles enfrentados por aqueles que irão consumi-lo (ainda que o Brasil também tenha um grande potencial de ser um grande consumidor deste novo combustível). De todo modo, é um padrão que certamente pode e deve servir de guia para que a discussão floresça e se desenvolva na direção correta. Os desafios são enormes e não será de uma hora para outra, mas, diante dos acontecimentos na Europa, é premente que o Brasil esteja inserido nesta discussão desde o seu nascedouro.
Paulo Henrique Spirandeli Dantas é advogado especializado em Infraestrutura e Direito Administrativo e sócio do escritório Castro Barros Advogados. Escreve periodicamente para a Coluna Legal, do Broadcast Energia.