Impactos positivos do novo Marco de Garantias
Com menos alarde do que merecia, foi publicada, em 31 de outubro de 2023, a Lei nº 14.711, que ficou conhecida como o “Novo Marco de Garantias”. Projeto de iniciativa do Poder Executivo, seu objetivo, declarado em seu artigo 1º, foi o aprimoramento das regras relativas ao tratamento do crédito e das garantias e às medidas extrajudiciais para recuperação de crédito.
Passados alguns meses de sua vigência, e depois dos sustos enfrentados no início de 2023, os mercados – jurídico e financeiro – começam a sentir os impactos positivos dessas alterações, dentre as quais merecem destaque aquelas promovidas pela Lei nº 9.514/1997, mais precisamente no tocante à alienação fiduciária de bens imóveis.
Explica-se: a regulação da alienação fiduciária de coisa imóvel, trazida pela Lei nº 9.514/1997, foi inicialmente estruturada para financiamentos imobiliários. Contudo, esse instituto acabou sendo abraçado pelo mercado para operações que vão muito além disso. Complexos financiamentos empresariais tendo como garantia imóveis de valores multimilionários e financiamentos do agronegócio garantidos por grandes fazendas são alguns exemplos.
A alienação fiduciária, vale lembrar, é o negócio jurídico por meio do qual o fiduciante (aquele que dá o bem imóvel em garantia) contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. Isto é, para garantir uma obrigação financeira, a propriedade do bem é transferida ao credor, propriedade esta que volta a ser plenamente do fiduciante quando adimplida a obrigação – por isso, resolúvel.
É a modalidade de garantia que se tornou a mais comum e adequada ao credor para financiamentos destinados à aquisição de imóveis, por apresentar vantagem significativa em relação à hipoteca: permite ao banco financiador, em caso de inadimplemento, excutir a garantia extrajudicialmente, por meio do procedimento previsto nos artigos 26 e 27 da Lei nº 9.514/1997.
A vantagem de tal procedimento é ser inteiramente feito em cartório, o que, geralmente, é muito mais célere do que uma ação judicial. Como funciona: provocado pelo fiduciário, o oficial do cartório onde o imóvel está registrado intima o fiduciante a purgar a mora (pagar o valor devido). Caso o fiduciante não pague o quanto devido, o credor terá o direito de consolidar a propriedade em seu nome e levar o imóvel a leilão extrajudicial.
Contudo, como mencionado, nesses quase 25 anos de vigência, essa regulação nem sempre se mostrou adequada para operações mais complexas.
Nesse sentido, por exemplo, o disposto nos antigos parágrafos 2º e 5º do artigo 27 previa que, se o valor do imóvel se mostrasse inferior ao da dívida, o devedor ficava exonerado de pagar a diferença. Essas disposições eram pautadas em compreensível aspecto social – impedir que o financiado perdesse o imóvel residencial e ainda fosse cobrado pela diferença -, mas não se amoldavam às situações de financiamentos mais complexos.
Na prática, nesses casos em que havia risco de o valor do imóvel ser inferior ao da dívida, recomendava-se ao credor optar pela cobrança judicial da dívida, renunciando ao procedimento mais célere.
Para essa situação, o novo Marco de Garantias, em boa hora e atendendo a um apelo dos mercados jurídico e financeiro, separou o joio do trigo: instituiu o artigo 26-A, para regular os “procedimentos de cobrança, purgação de mora, consolidação da propriedade fiduciária e leilão decorrentes de financiamentos para aquisição ou construção de imóvel residencial do devedor”.
Nos termos do parágrafo 4º do artigo 27, se no segundo leilão não houver lance que atenda ao referencial mínimo para arrematação, a dívida será considerada extinta, com recíproca quitação.
Contudo, para financiamentos não destinados à aquisição de imóvel residencial, os outrora tão criticados parágrafos 2º e 5º do artigo 27 passaram a prever expressamente a possibilidade de cobrança do saldo da dívida.
Outra alteração importante foi a introdução do artigo 27-A, que trata da vinculação de mais de um imóvel garantindo um determinado débito. Na sistemática anterior, havia receio de o leilão do primeiro imóvel gerar a quitação de toda a dívida. A recomendação, nesses casos, era a realização de um “leilão em bloco”, mas que se mostrava difícil do ponto de vista prático e acabava por reduzir liquidez dos imóveis.
Na nova sistemática, permitiu-se expressamente ao credor promover a excussão em ato simultâneo, por meio de consolidação da propriedade e leilão de todos os imóveis em conjunto, ou em atos sucessivos, por meio de consolidação e leilão de cada imóvel em sequência, à medida do necessário para satisfação integral de seu crédito.
Essas novidades vieram somar às regras trazidas pela Lei nº 11.101/2005, conhecida como a Lei de Recuperação Judicial e Falência, que, em seu artigo 49, parágrafo 3º, exclui da recuperação judicial os créditos garantidos por alienação fiduciária.
As alterações introduzidas pelo novo Marco de Garantias, portanto, trouxeram melhores ferramentas ao credor titular de garantia fiduciária sobre imóveis. Esse aperfeiçoamento traz mais segurança jurídica aos credores, gerando assim um aumento na oferta de crédito para operações estruturadas. A lei vem em boa hora. O mercado agradece.
Marco Deluiggi e Carlos Ximenes são sócios na área de litígio do escritório Castro Barros Advogados.
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