O crime e os drones
Há pouco mais de 10 anos, a visão que a maioria das pessoas tinha a respeito de drones dividia-se entre os pequenos modelos – essencialmente recreacionais – e os Predators e Global Hawks, de grande porte, usados para vigiar e atacar alvos em teatros de guerra longínquos, aparecendo também em thrillers e filmes de ação.
Não que a utilização de veículos não tripulados para fins ofensivos seja uma invenção do século 21 – aparentemente, seu uso, em pequena escala, teve início há cerca de 200 anos (balões com explosivos). No curso do século passado, sofisticaram-se, sobretudo durante a Segunda Guerra Mundial, nas mãos dos nazistas e dos aliados (o irmão mais velho do presidente americano John Kennedy foi morto durante o desenvolvimento de uma versão rádio controlada de bombardeiros). A evolução nas décadas seguintes foi constante, porém, com uma maior ênfase em alvos para aeronaves de caça.
Nos últimos 30 anos do século passado, diante das dificuldades logísticas de se enviar e manter aeronaves tripuladas em teatros de guerra assimétrica, seja para operações ofensivas ou de pura vigilância, os drones passaram a ser a alternativa lógica para tais missões. E com a vertiginosa evolução tecnológica que o mundo vem testemunhando, desde o final do século 20, os drones se tornaram cada vez mais baratos e, consequentemente, comuns. Isso, apesar da resistência de setores mais tradicionalistas nas forças armadas e nas forças de segurança das nações.
Todavia, a invasão da Ucrânia pela Rússia é uma prova inquestionável de que os drones vieram para ficar. E por razões simples: são baratos, de fácil adaptação à distintas missões, seus operadores podem ser treinados muito mais rápido do que pilotos de aeronaves convencionais, drones são de difícil detecção, difícil de serem neutralizados (sobretudo, quando em grande número) e são tremendamente eficazes.
Saindo dos teatros de guerra e entrando no dia a dia do Brasil, as perspectivas são preocupantes. O uso de drones pelas facções criminosas em atividade no país já é uma realidade. Até o momento de concepção deste artigo, a principal destinação dos drones operados por criminosos tem sido o transporte de pequenas quantidades de drogas e/ou celulares aos presídios e o patrulhamento aéreo dos domínios desses grupos criminosos. Isso está começando a mudar: além de ataques aéreos executados por uma facção contra outra, ataques a forças policiais foram ensaiados; por sorte, até o momento, sem eficácia.
As autoridades não devem tratar tais eventos como fatos isolados: podem ser o início de uma profunda mudança na estratégia do crime organizado contra as forças policiais. Ora, a obtenção de um drone capaz de transportar e detonar explosivos durante uma operação policial é muito mais fácil e barata do que a aquisição de fuzis ou similares. E o risco de baixas em um confronto poderá ser profundamente alterado, concentrando-se nas forças de segurança. Basta se ter em mente que, através de drones de vigilância, os criminosos detectariam a concentração de forças policiais no início de uma operação. Sem movimentar um assecla sequer, aglomerando, portanto, o poder de fogo em bastiões específicos, lançariam sobre os policiais diversos drones “kamikazes”, com explosivos. A situação torna-se ainda mais complexa para as polícias, ao se ter em mente os locais onde os criminosos se abrigam: áreas repletas de inocentes.
E, como já se sabe, os equipamentos de neutralização de drones têm suas limitações, sobretudo em se tratando de drones guiados por fibras óticas: a guerra na Ucrânia atesta esse fato.
O poder público tem de se conscientizar plenamente dessa ameaça e investir firme e rapidamente em meios de mitigação de riscos, consultando as empresas especializadas no desenvolvimento de equipamentos para neutralização de drones, financiando projetos (buscando, sempre que possível, a cooperação com outros países, pois esse não é um problema exclusivamente brasileiro), capacitando pessoal para lidar com esses desafios e fazendo uso de órgãos de inteligência para identificar construtores e customizadores de drones.
Do contrário, cenários como o de confrontos entre drones do crime organizado e os das forças policiais poderão ser o nosso futuro, não muito distante, para desespero dos moradores das localidades em que tais embates ocorram.
José Augusto Leal é presidente do Comitê de Defesa & Segurança da Câmara Britânica de Comércio e Indústria no Brasil -Britcham e sócio do Castro Barros Advogados
Bruno Carcará é Analista Tributário da Receita Federal, curador do seminário Drone Policial e coordenador do projeto social Drones4Good
Daniel Kim é agente da Polícia Federal e chefe da DCM/CGSDEP/PF e professor da Academia da Polícia Federal
Claudio Nascimento é gerente comercial da Atech Negócios em Tecnologias S.A., do Grupo Embraer, engenheiro de telecomunicações e mestre em engenharia pela USP