O fator hidrogênio (verde) na mudança da matriz energética mundial
O hidrogênio verde tem um potencial de promover uma mudança profunda na matriz energética mundial com implicações não só na economia, mas também na geopolítica. Quem diz isso é a International Renewable Energy Agency (Irena), em recente estudo publicado denominado: “Geopolitics of the Energy Transformation: The Hydrogen Factor“.
Trata-se de uma agência internacional que tem como objetivo ajudar os países-membros a fazerem a transição energética para um modelo sustentável. A necessidade de se ter uma plataforma global que fomente a discussão da transição energética para fontes renováveis foi concebida na conferência da Organização das Nações Unidas sobre Novas e Renováveis Fontes de Energia que ocorreu em Nairobi, Quênia em 1981.
Nestas quatro décadas que se passaram, o interesse e a necessidade por fontes renováveis só aumentaram e aquilo que ainda era somente uma idealização passou a tomar forma no início deste século e finalmente foi formalizada em 2009, com a criação da Irena em uma conferência na Alemanha, na cidade de Bonn, ocasião na qual 75 países assinaram seu estatuto.
Passada mais de uma década desde sua fundação, a Irena conta hoje com 167 países e há 17 países que estão em vias de se tornarem membros, incluindo o Brasil. É neste contexto e neste fórum altamente qualificado que o fator hidrogênio está sendo discutido. De acordo com o estudo citado acima, estima-se que o hidrogênio pode ser responsável por até 12% do consumo de energia global já em 2050 e que o mercado internacional será responsável por cerca de 30% deste volume.
Por essa razão o estudo realizado pela Irena identifica que cerca de 30 países podem se beneficiar deste novo mercado, que será marcado por um caráter essencialmente transnacional. O estudo aponta que esta década será de grande importância para os países que pretendem estar bem posicionados neste mercado, com vista a atender uma demanda que deve se consolidar na vindoura década de 30.
Países como Japão e Alemanha já estão trabalhando por meio de vias diplomáticas para poderem criar canais e ou acordos internacionais capazes de fornecer hidrogênio verde que atenda suas metas agressivas de zerar a emissão de carbono nos próximos anos. O curioso deste estudo é notar que a corrida para dominar a tecnologia e, portanto, o mercado, já começou e seu potencial é realmente muito grande.
Como apontamos em nosso artigo de julho de 2021 aqui neste Broadcast Energia, o Brasil tem todas as condições de ser um dos grandes protagonistas deste novo mercado que se descortina. Mas, como sempre, a janela de oportunidade não ficará aberta para sempre, é preciso que o Brasil aja rápido neste sentido. Iniciativas como a Parceria Brasil-Alemanha Tecnologias de Armazenamento Energético da GIZ, firmado entre o Ministério de Desenvolvimento e Cooperação Econômica da Alemanha e o Ministério de Minas e Energia do Brasil, é um ótimo sinal.
O projeto tem como objetivo auxiliar o governo brasileiro na implementação de tecnologias de armazenamento de energia, com destaque, claro, para o hidrogênio verde. Mas a partir desta ideia de armazenamento de energia, que é de fundamental importância para o desenvolvimento do mercado de hidrogênio verde, por ser um gás altamente volátil e inflamável, a parceria não deve se restringir a isso, mas também ao desenvolvimento do mercado, tanto em seus aspectos econômicos, quanto regulatórios.
Uma iniciativa muito interessante que está sendo desenvolvida pela Câmara de Comércio Brasil-Alemanha do Rio de Janeiro (AHK Rio) é a Promoção da Inovação do Programa H2/PTX Brasil, na qual se busca contratar uma aceleradora para promoção da inovação e o fortalecimento de Early-Stage Startups, criando soluções para geração, distribuição e aplicação do hidrogênio verde no Brasil. As propostas estão sendo enviadas neste mês de janeiro. O programa tem previsão de duração de até dois anos.
Outra iniciativa que vale destaque é o projeto lançado em dezembro de 2021 em que a Prumo Logística, que pertence ao grupo norte americano Energy & Information Group (EIG), pretende construir uma planta de hidrogênio verde no Porto do Açu, no norte do Rio de Janeiro. Podemos perceber, portanto, que as iniciativas para o desenvolvimento do mercado de hidrogênio verde estão em pleno desenvolvimento.
Em recente webinar que realizamos com o escritório alemão Blomstein e representante do governo alemão, o diretor geral da Siemens Energy Brasil, Sr. André Clark, declarou: “O Brasil, para além do custo marginal de energia renovável bastante baixo, tem, no seu sistema regulado nacional hoje, as raízes para poder criar os Purchase Power Agreements, os PPAs, de hidrogênio, quase que imediatamente, com muita pouca mudança regulatória para atender esses PPAs.”
Esta impressão do Sr. André Clark se confirmou com a edição da Lei 14.286, de 29 de dezembro de 2021 – que ficou conhecida com a Lei do Câmbio -, em que permitirá a celebração de contratos de compra de energia (os PPAs) em moeda estrangeira, o que poderá ter um impacto decisivo no mercado de energias renováveis e, claro, no de hidrogênio verde.
Portanto, é preciso reafirmar que o Brasil possui todas as condições, sejam geográficas, físicas e até mesmo regulatórias, para se firmar como um dos grandes produtores e exportadores de hidrogênio verde no mundo. Por fim, há de se destacar a conclusão do estudo citado no início deste artigo, no qual se prevê que a criação do mercado de hidrogênio verde pode impedir o alargamento de uma disparidade da descarbonização entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e promover a igualdade e a inclusão, criando cadeias de abastecimento locais, industriais verdes e empregos nos países ricos em energias renováveis, tais como o Brasil.
*Paulo Henrique Spirandeli Dantas, advogado especializado em Infraestrutura e Direito Administrativo e sócio do escritório Castro Barros Advogados. Escreve periodicamente para a Coluna Legal, do Broadcast Energia.