O papel do Brasil na oferta de energia limpa
Pela primeira vez na história, foi incluído no relatório final da Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP26), recém-encerrada em Glasgow, referência ao papel dos combustíveis fósseis na crise climática que atravessamos. Longe do ideal, a COP26 ao menos consolidou a tendência de um esforço global em fazer uma mudança gradativa e contínua da matriz energética mundial de forma a diminuir a emissão de gases poluentes na atmosfera do planeta.
Os acordos firmados, apesar de vinculantes, não geram nenhuma sanção caso os países signatários não cumpram com sua parte do acordo. No entanto, tanto a mobilização de setores da sociedade civil organizada quanto a consolidação da agenda ESG no mercado certamente serão vetores para que, ao menos, as metas estipuladas na COP26 sejam encaradas com a seriedade que merecem.
Nesse particular, o Brasil tem muito a contribuir neste cenário que se descortina. Independente das metas impostas ao nosso País – que realmente precisa demonstrar compromissos sérios na preservação das nossas florestas e reassumir seu papel de relevância nas discussões sobre o meio ambiente na arena global -, temos todos os elementos para sermos protagonistas nesta mudança da matriz energética mundial.
Ao longo deste ano, procuramos destacar em nossos artigos do Broadcast Energia os principais desafios e oportunidades que o Brasil tem para desempenhar todo o seu potencial. Com a matriz energética quase que totalmente considerada renovável, o País se coloca em uma posição de destaque para ser um grande fornecedor de energia limpa ao redor do mundo.
Desde a nossa vocação para exploração de energia hidrelétrica, até os incipientes, porém vibrantes, mercados de energia eólica e solar e do promissor mercado de hidrogênio verde, o Brasil tem todos os elementos geográficos e, por que não, regulatórios para desempenhar um papel de destaque. O que parece nos faltar é uma política pública que concatene todos esses elementos, veja o mercado como um todo, ao mesmo tempo que trate cada setor de energia de acordo com suas particularidades.
Não se trata de uma ideia original, tampouco nova. Já temos em nosso ordenamento jurídico a Política Energética Nacional, consubstanciada na Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997. No entanto, pode-se dizer que boa parte da lei é reservada para questões relacionadas aos combustíveis fósseis, notadamente o petróleo e o gás natural. Tanto é verdade que é nesta lei que é criada a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Para tentar suprir essa necessidade, foi sendo realizado ao longo dos anos o desenho de estratégias, o chamado Plano Nacional de Energia. Em dezembro de 2020 foi lançado pelo Ministério de Minas e Energia o Plano Nacional de Energia (PNE 2050), que traça metas para o desenvolvimento das fontes de energia elétrica do País para as próximas décadas. O documento sucede ao PNE 2030, lançado em 2007, e visa atualizar o guia para futuras políticas públicas até o ano de 2050 – já prevendo revisões quinquenais para atualizar os planos.
Apesar de também lidar com uma possível estagnação da demanda por energia elétrica nas próximas décadas, o PNE conta com o muito provável crescimento exponencial dela, e, por isso, dá suporte à expansão das fontes de energia no País. A estratégia energética adotada conta com o desenho das metas, a implementação das estratégias por meio de políticas públicas e privadas e um plano de monitoramento das ações já postas em prática.
Esse plano busca adotar políticas condizentes com as principais diretrizes estratégicas do PNE, que são, em suma: a expansão e investimento em usinas nucleares, bioenergia, biotecnologia, fontes eólicas e solar fotovoltaicas; o estímulo ao desenvolvimento do mercado de gás natural e à eletrificação do setor de transportes; o investimento em eficiência energética; a manutenção dos setores petrolíferos e dos parques termelétricos a carvão, visando manter as emissões de CO2 nos níveis atuais; e o estímulo a políticas de descarbonização – redução das emissões de gases do efeito estufa, dentre outros.
Outrossim, o plano detalha o interesse em haver um estímulo à expansão das exportações relacionadas à indústria do petróleo, visando reinvestir os recursos que dela provierem em, por exemplo, soluções renováveis de eletricidade, durante o período de transição energética. Esse período, por sua vez, deve ser marcado por consequências diretas das mudanças climáticas, que devem propiciar inovações tecnológicas no meio do desenvolvimento sustentável; e uso mais eficiente dos recursos energéticos, entre outros.
Nesse contexto, com o surgimento de novas tecnologias, o comportamento dos consumidores também deve ser alterado, havendo uma necessidade das políticas públicas se adaptarem a isso. Dentre essas alterações, o PNE cita a popularização de serviços compartilhados, baseados em plataformas online, como exemplo de alteração que deve interferir na forma com que se consome energia elétrica.
O que se percebe é que o assunto deve ser tratado com a seriedade que merece. No plano legislativo, é curioso notar o Projeto de Lei 327/21, que está em trâmite no Congresso Nacional. Em linhas gerais, o projeto prevê a criação de uma política para regular transição do modelo energético atual para o novo padrão baseado em fontes renováveis e em baixas emissões de carbono. O projeto, que ganhou a alcunha de Política Nacional da Transição Energética (Ponte), como não poderia deixar de ser, coloca o Ministério de Minas e Energia no centro da discussão e responsável por elaborar um plano de metas para a implantação da Ponte, que se for adiante deveria conversar diretamente com o PNE.
No entanto, o projeto não tem ganhado a atenção de merece. Está na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Câmara dos Deputados desde junho e, passado o prazo para apresentação de emendas ao projeto, nenhuma foi feita. É bem verdade que o projeto de lei é bastante cru – são apenas seis artigos -, mas poderia servir, ao menos, para fomentar uma discussão que hoje se torna absolutamente necessária.
O fato é que ao adentrarmos o ano de 2022 a questão climática estará cada vez mais no centro das discussões. A alteração da matriz energética é parte fundamental desta agenda global. O Brasil não só pode como deve estar inserido e assumir um papel protagonista neste debate.
*Paulo Henrique Spirandeli Dantas, advogado especializado em Infraestrutura e Direito Administrativo e sócio do escritório Castro Barros Advogados. Escreve periodicamente para a Coluna Legal, do Broadcast Energia.