O Plano de Trabalho Trienal (2023-2025) do Programa Nacional do Hidrogênio
O Governo Federal, por meio do Ministério de Minas e Energia, publicou no último dia 24 de agosto de 2023, o Plano de Trabalho Trienal do Programa Nacional do Hidrogênio. Alguns pontos valem ser destacados. Em primeiro lugar, incorporou o termo “hidrogênio de baixa emissão” definindo-o como: “hidrogênio produzido com base em uma variedade de processos, tecnologias e fontes de energia com baixa emissão de gases de efeito estufa ao longo de seu ciclo de vida, ou com adoção de tecnologias de remoção de carbono (CCS), inclusive carbono negativas (hidrogênio renovável de origem biológica com CCS), abrangendo fontes renováveis de energia, inclusive biomassa e biocombustíveis; combustíveis fósseis com captura, armazenamento ou uso de carbono; energia nuclear (rotas de eletrólise e termoquímica); resíduos; hidrogênio natural; outras tecnologias de baixa emissão (inclusive pirólise do gás natural e do biometano, microondas de resíduos plásticos, etc.) e combinações de processos (processos híbridos)”.
Além da definição, o documento destacou que os porcentuais mínimos de redução de emissões em relação ao hidrogênio de referência e a fronteira de sistema considerada serão definidos em regulamento, porém a proposta inicial é que o porcentual mínimo de redução de emissões em relação ao hidrogênio de referência não seja inferior a 50% e a fronteira de sistema abranja pelo menos escopos 1 (própria planta) e 2 (eletricidade e combustíveis adquiridos pela planta) do GHG Protocol.
A ideia do governo é instituir uma progressão no nível de exigência de redução de emissões e ampliação de escopo da fronteira do sistema, o que dá maior estabilidade e previsibilidade, contribuindo para o desenvolvimento do mercado de hidrogênio. Segundo o documento, “definir limites de redução de emissões muito elevados e fronteiras de sistema muito amplas desde o começo pode gerar custos excessivos para os consumidores na fase inicial de desenvolvimento de mercado e dificultar a consolidação e a expansão do mercado.”
Para além da definição, o plano destacou o papel fundamental do hidrogênio de baixa emissão para a descarbonização dos setores como metalurgia, fabricação de cimento, operação de veículos leves, produção de novos combustíveis para aviação e navegação, entre outros. Também houve um enfoque na capacidade de exportação do Brasil por meio da instalação de plantas de produção de hidrogênio em instalações portuárias.
A ideia do governo é a criação de polos (hubs) de produção de hidrogênio em complexos portuários, onde também se localizam plantas industriais. Seguindo essa tendência, vários portos brasileiros têm mobilizado esforços para ter plantas de produção de hidrogênio em suas retroáreas, como é o caso do Porto do Pecém (Ceará), do Porto de Suape (Pernambuco), do Porto do Açu (Rio de Janeiro) e do Porto do Rio Grande (Rio Grande do Sul). A intenção é consolidar hubs de hidrogênio de baixo carbono no Brasil até 2035.
Referente às metas, o governo federal anunciou o aumento do investimento anual em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para R$ 200 milhões até 2025, último ano do ciclo Plano Trienal, valor quase sete vezes maior do que o registrado em 2020. A intenção do plano é disseminar plantas-piloto de hidrogênio em todas as regiões do País até 2025, tornando o Brasil o produtor mais competitivo de hidrogênio no mundo até 2030.
O plano define como prioridade: criação de um marco legal-regulatório nacional; intensificar investimentos em PD&I, com foco na redução de custos; e ampliar o acesso a financiamento. Especificamente quanto ao marco regulatório, a Câmara Temática de Arcabouço Legal e Regulatório-Normativo estabeleceu como metas: i) elaboração de minuta de normativo estabelecendo a definição de hidrogênio de baixa emissão de carbono, instrumentos da política nacional, diretrizes para definição de metas e certificado até abril de 2023; ii) apresentação de proposta de texto com emenda à Lei 9.478/1997, a fim de dispor sobre atividades relacionadas ao hidrogênio de baixa emissão de carbono e conferir competências pertinentes à ANP até julho de 2023; e iii) elaboração de relatório com mapeamento dos normativos que estabelecem as competências existentes da ANP e de outras agências reguladoras e identificação das eventuais lacunas regulatórias para as cadeias do hidrogênio e levantamento das necessidades de harmonização regulatória entre as esferas federal e estaduais até agosto de 2024.
Além do marco regulatório foram anunciados outros projetos, destacam-se:
*Contratação, acompanhamento e avaliação de, no mínimo, 45 projetos de PD&I selecionados nas chamadas do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação em 2022.
*Criar linha(s) de crédito(s) para financiamento empresarial reembolsável para a cadeia de valor do hidrogênio, incluindo a produção, o armazenamento, o transporte, a segurança e o uso até 2026.
*Implantação do Sistema Brasileiro de Laboratórios em Hidrogênio SisH2-MCTI, a partir da celebração de termos de adesão com laboratórios selecionados em chamada pública realizada em 2022 e contratação de laboratórios adicionais a fim de fortalecer o sistema.
*Instituir até 2024, no âmbito do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e de sua Política de Gestão baseada em redes, o Comitê de Especialistas em Economia do Hidrogênio.
*Capacitar docentes/instrutores nas diferentes redes de educação até 2025.
*Instituir até 2024 um ecossistema integrado de Unidades EMBRAPII que contemplem atemática do hidrogênio para fomentar a atividade de PD&I entre centros de pesquisa e empresas, por meio do incentivo ao uso e o desenvolvimento de tecnologias inovadoras, segundo o modelo EMBRAPII de financiamento tripartite.
*Elaboração de, no mínimo, seis estudos e diagnósticos até 2025, com prioridades para as temáticas ligadas aos desafios do hidrogênio.
*Estudo para avaliação de propostas tributárias e fiscais, considerando o contexto da reforma tributária. As diretrizes tributárias a serem propostas sobre hidrogênio deverão focar na atração de investimentos, eficiência da produção, desenvolvimento de cadeia produtiva nacional e estímulo ao consumo.
*Identificar e propor adequação de legislação necessária para enquadramento explícito de plantas de produção de hidrogênio e de derivados diretos como projetos de infraestrutura para fins de elegibilidade ao Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi).
*Avaliar impactos da produção e consumo de hidrogênio e seus derivados (amônia, metanol etc.) sobre a logística de transporte, armazenamento e distribuição de hidrogênio e derivados no Brasil.
*Aperfeiçoamento de bases de dados sobre produção/consumo de hidrogênio e de seus derivados (amônia, metanol etc.), informações (projetos, financiamento, regulação existente etc.) e ferramentas computacionais para estudos de planejamento energético integrado.
As diversas propostas anunciadas especificam o prazo e os responsáveis, entretanto os indicadores são um pouco superficiais. Várias – para não dizer quase todas – colocam como métrica “número de iniciativas implementadas”/”número de startups apoiadas”.
Alguns projetos são mais minuciosos e traçam indicadores como “Cálculo: (Número de estudos realizados no ano “t” sobre avaliação de potencial de produção de hidrogênio e de seus derivados no Brasil)/(Número total de estudos previstos no ano “t” sobre avaliação de potencial de produção de hidrogênio e de seus derivados no Brasil)”.
Há, portanto, muito a se avançar. De toda a forma, há pelo menos diretrizes básicas para que seja discutido de forma concreta o desenvolvimento de uma indústria promissora na qual o Brasil pode e deve se destacar. O mais importante é não perder a janela de oportunidade que se apresenta.
* Paulo Henrique Spirandeli Dantas é advogado especializado em Infraestrutura e Direito Administrativo do escritório Castro Barros Advogados e escreve periodicamente para a Coluna Legal, do Broadcast Energia.