Tributário
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Parcelamento de débitos para empresa em recuperação

Para manter regularidade fiscal e empregos, opção é incluir dívidas em aberto perante a Receita

As empresas em recuperação judicial já tinham uma situação financeira que inspirava cuidados antes mesmo da pandemia. O quadro se agravou com as restrições governamentais impostas para o combate ao vírus, que caíram como um balde de água fria no planejamento anteriormente traçado para a manutenção do empreendimento.

Muitas empresas se viram obrigadas a escolher quais obrigações deveriam cumprir e quais poderiam postergar, como medida para garantir a sua própria sobrevivência. Neste cenário, não raro as empresas tomam um curso de ação que passa pela decisão de não honrar pontualmente com as suas obrigações tributárias, priorizando o cobertor curto do seu fluxo de caixa para o pagamento dos salários dos seus empregados e dos fornecedores.

Para manter sua regularidade fiscal, bem como a consecução de seu objeto social e a preservação dos seus empregados, as empresas em recuperação judicial têm como alternativa pedir o reparcelamento do seu passivo fiscal, conforme autorizado pela legislação vigente, incluindo todos os débitos em aberto perante a Receita Federal do Brasil (RFB) referentes ao período da pandemia, e somá-los ao saldo já existente no Parcelamento Especial para Empresas em Recuperação Judicial, atualmente em vigor.

Como se sabe, o artigo 10-A, da Lei nº 10.522/2002, regulamentado pelo artigo 17 da Instrução Normativa (IN) RFB nº 1.891/2019, prevê o Parcelamento Especial para Empresas em Recuperação Judicial, de débitos com a Fazenda Nacional constituídos ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa da União, mesmo que discutidos judicialmente, em 84 (oitenta e quatro) parcelas mensais e consecutivas, calculadas observando-se percentuais mínimos predeterminados, aplicados sobre o valor da dívida consolidada.

De acordo com o § 7º, do artigo 10-A, da Lei nº 10.522/2002, bem como o § 10, do artigo 17, da IN RFB nº 1.891/2009, as demais condições estabelecidas pelas mencionadas Lei e Instrução Normativa são aplicáveis ao Parcelamento Especial para Empresa em Recuperação Judicial, ressalvando apenas o disposto:

(i) no § 1º do artigo 11, da Lei nº 10.522/2002, que exige a apresentação de garantia real ou fidejussória como condição para o parcelamento dos débitos inscritos em dívida ativa;

(ii) no inciso II do § 1º do artigo 12, da Lei nº 10.522/2002 e no caput do artigo 7º, da IN RFB nº 1.891/2019, o qual considera automaticamente deferido o parcelamento após 90 dias da apresentação do respectivo pedido;

(iii) nos incisos I, II e VIII do artigo 14, e no §2º do artigo 14-A, da Lei nº 10.522/2002, que veda o parcelamento de tributos passíveis de retenção na fonte, de desconto de terceiros ou de sub-rogação, do IOF retido e não repassado ou de tributo ou outra exação não quitada integralmente em parcelamento anterior; e

(iv) no § 1º do artigo 13, da IN RFB nº 1.891/2019, que condiciona o deferimento do parcelamento ao recolhimento da primeira prestação em valor correspondente a 10% ou 20% do total dos débitos, conforme o caso.

Pode-se entender, portanto, que a legislação e a regulamentação que tratam do parcelamento destinado às empresas em recuperação judicial excluíram, de forma taxativa, as hipóteses que não podem ser incluídas ou regras que não se aplicam a esta modalidade.

Assim, com base nesta interpretação, a conclusão que se chega é a de que:

(i) é cabível o reparcelamento para a inclusão de novos débitos no Parcelamento Especial para Empresa em Recuperação Judicial, previstos no caput e § 1º do artigo 14-A, da Lei nº 10.522/2002 e no caput do artigo 13 da IN RFB nº 1.891/2019;

(ii) podem ser incluídos nesta modalidade de parcelamento tributos passíveis de retenção na fonte, por existir ressalva à vedação prevista no inciso I, do artigo 14, da Lei nº 10.522/2002; e

(iii) não é aplicável a exigência de pagamento de pedágio no valor correspondente a 10% ou 20% do total de débitos consolidados no reparcelamento, diante da ressalva à aplicação do disposto no §2º do artigo 14-A da Lei nº 10.522/2002, bem como no § 1º do artigo 13, da IN RFB nº 1.891/2019.

Dessa forma, as empresas em recuperação judicial podem, sempre que necessário, pleitear a inclusão de novos débitos que estejam em aberto perante a RFB na modalidade de Parcelamento Especial para Empresas em Recuperação Judicial já em curso, como medida para auxiliá-las a reverter o seu quadro de crise financeira e se reerguer, sendo que eventual indeferimento pela RFB pode ser objeto de questionamento judicial.

A esse respeito, já é possível identificar precedentes favoráveis na Justiça Federal da Seção Judiciária de São Paulo, acolhendo pedidos de empresas em recuperação judicial pela inclusão de novos débitos gerados no período da pandemia.

No entanto, a existência de decisões judiciais, mesmo que favoráveis aos contribuintes, está longe do ideal, pois a judicialização de pedidos com este em um contexto onde a empresa que já estava em dificuldades financeiras é surpreendida com o agravamento da crise econômica pela pandemia da Covid-19 e se vê à frente de um cenário ainda mais imprevisível e desafiador, o acionamento do Judiciário apenas contribuiu para um aumento de gastos para a empresa e para o governo, gastos estes que poderiam ser evitados e destinados para atingir o efetivo objetivo do programa de recuperação judicial, que é a preservação da empresa, da sua função social e, em última análise, o estímulo à atividade econômica como um todo no país.

DANIELA DUQUE ESTRADA – Sócia do Castro Barros Advogados, especialista em contencioso tributário.

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