Política nacional hidrogênio, o mercado internacional e a robustez regulatória
Os debates sobre o potencial de o Brasil ser um dos grandes produtores de hidrogênio de baixo carbono se intensificaram. Essa nomenclatura ganhou força nos últimos tempos, especialmente por conta das audiências públicas que ocorreram na Câmara dos Deputados por ocasião da discussão do Projeto de Lei para instituir o marco legal do hidrogênio de baixo carbono.
De acordo com o relatório preliminar e a minuta que foi publicada para que contribuições pudessem ser realizadas, esta denominação abarcaria não só o hidrogênio verde, mas “hidrogênio combustível ou insumo industrial, coletado ou obtido a partir de fontes diversas de processo de produção, respeitado o critério de adicionalidade e observados os critérios de temporalidade ou de exigência de fonte renovável, conforme o regulamento, e que possua emissão de gases causadores do efeito estufa (GEE), conforme análise do ciclo de vida, com valor inicial menor ou igual a quatro quilogramas de dióxido de carbono equivalente por quilograma de hidrogênio produzido (4 kg CO2eq/kgH2)”.
Trata-se de uma ampliação importante, já que o Brasil tem capacidade de produção por meio das mais diversas fontes, cada qual com suas especificidades e finalidades distintas.
De todo modo, o que permeou as manifestações nas audiências públicas é a grande oportunidade de (re)industrialização do parque nacional levando em consideração as múltiplas aplicações do hidrogênio de baixo carbono, tanto no mercado interno quanto no externo.
Um indicativo relevante para o potencial do mercado externo foi que o Mecanismo de Ajuste de Fronteira de Carbono (CBAM, em inglês) da União Europeia passou a valer, ainda que por um período de testes, para importação de cimento, ferro, aço, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio.
Por meio desse mecanismo, pretende-se precificar as emissões dos produtos que forem importados pelos países-membros. Após a fase de testes, que vai até 2026, a expectativa é que haja uma verdadeira transformação do mercado de hidrogênio, amônia e fertilizantes, conforme apontado em estudo da consultoria Wood Mackenzie denominado “Playing by new rules: How the CBAM will change the world”.
Nesse sentido, o estudo aponta que o Brasil pode estar muito bem posicionado como um dos grandes mercados de hidrogênio de baixo carbono já em 2036. Não por outra razão que o momento é crucial para se avançar na propositura de uma política nacional para o hidrogênio de baixo carbono.
Nesse contexto, uma das vertentes mais importantes para que este mercado possa florescer é capacitá-lo para que ofereça a segurança jurídica necessária para os massivos investimentos que serão necessários, e o meio mais indicado para isso é criar um ambiente regulatório robusto e bem estruturado desde o início.
De acordo com a minuta de projeto de lei apresentada junto com o relatório preliminar, as autorizações necessárias para produção de hidrogênio ficariam a cargo da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), “respeitadas as atribuições das demais agências reguladoras conforme fontes utilizadas no processo de produção”. No caso do hidrogênio de baixo carbono, não se pode olvidar da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que terá um papel preponderante no ciclo de produção e, provavelmente, em sua certificação.
Assim, conforme sugestão que apresentamos no projeto de lei, o ideal seria incluir desde já a previsão de articulação entre agências reguladoras de forma a possibilitar a edição de atos normativos conjuntos sobre matéria que envolva agentes econômicos sujeitos a mais de uma regulação setorial, tal qual previsto no art. 29 da Lei das Agências Reguladoras (Lei 13.848/19), cujo detalhamento de competências poderia constar de regulamento a ser editado posteriormente.
Esta medida teria como objetivo dar robustez ao ambiente regulatório do hidrogênio de baixo carbono de forma a dar ainda mais segurança jurídica e institucional à produção nacional. Esta sugestão estaria ainda aderente à previsão do ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório) proposto na minuta do projeto de lei, instrumento pelo qual as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária das agências reguladoras competentes para desenvolver modelos de negócios inovadores, técnicas e tecnologias experimentais, mediante parâmetros previamente estabelecidos e que irão auxiliar na elaboração de atos normativos relacionados às atividades de produção de hidrogênio.
Portanto, conforme já manifestado em outros artigos publicados neste Broadcast Energia, o Brasil está diante de uma oportunidade única, com a possibilidade de criar condições para que produtos industrializados possam agregar valor com a utilização dos produtos e subprodutos derivados do hidrogênio de baixo carbono, permitindo uma vantagem competitiva no comércio mundial – que passa por franca alteração -, com difícil paralelo na história da industrialização nacional.
Paulo Henrique Spirandeli Dantas é advogado especializado em Infraestrutura e Direito Administrativo do escritório Castro Barros Advogados e escreve periodicamente para a Coluna Legal, do Broadcast Energia.