Um novo arcabouço legal para a energia solar
A energia solar veio para ficar. O desafio é criar o ambiente regulatório ideal para que ele alcance todo o seu potencial. Para se ter uma ideia, conforme dados publicados recentemente, em menos de um ano o Brasil dobrou a potência instalada em projetos de geração distribuída solar, alcançando algo em torno de 5GW. Só não foi maior pelo aumento do dólar e por conta da crise pandêmica pela qual estamos passando. De todo modo, o potencial é enorme, já que a energia solar/fotovoltaica é responsável, ainda, por apenas 1,7% da matriz energia elétrica brasileira.
A solução para destravar esse mercado já está em discussão no Congresso. Trata-se do Projeto de Lei 414/2021, que discute a abertura total e irrestrita ao mercado livre de energia. O projeto já está bem maduro, já passou pelo Senado e aguarda análise da Câmara dos Deputados. Pelo que pôde ser percebido em suas discussões no Senado, a tendência é que não haja muitas polêmicas para sua aprovação. No entanto, aguarda na fila de discussões bem mais complexas, em especial a possível privatização da Eletrobrás.
De todo modo, a aprovação, quando vier, deve ser muito benéfica para a sociedade como um todo. Estima-se que com essa abertura mais de 80 milhões de unidades consumidoras possam migrar para outras fontes de energia, sendo que a energia solar é a que tem mais apelo para captar boa parte dessa demanda. Ainda que a abertura ao mercado livre esteja ainda em discussão, a fonte solar lidera a expansão para os próximos cinco anos e quase a totalidade dos projetos previstos visam este mercado.
O momento não poderia ser o mais ideal, afinal não se fala em outra coisa senão a preocupação das empresas com a agenda ESG (sigla em inglês para práticas ambientais, sociais e de governança), que também veio para ficar. Por isso, é possível afirmar que a abertura do mercado livre poderá atender segmentos bastante amplos da nossa sociedade, muito além dos que hoje têm acesso a essa fonte de energia, notadamente os consumidores com capacidade de carga contratada igual ou superior a 500 kW.
Com a abertura do mercado de energia, há um potencial realmente significativo para o aumento do consumo de solar por parte das pequenas e médias empresas, já que o custo da energia é sempre um ponto de atenção para a saúde financeira destas empresas em um ambiente tarifário ainda muito volátil. Ter alternativas de fontes de energia pode gerar inúmeros ganhos para a sociedade, desde um aumento da neutralização das emissões de carbono até a criação de inúmeras oportunidades de negócios atrelados ao consumo de energia limpa.
Outro mercado nada desprezível é o consumidor residencial. O preço de instalação dos sistemas de captação vem caindo nos últimos anos, ainda que a alta do dólar tenha impactado esse movimento. No entanto, como a tecnologia também avança de forma muito rápida, os preços tendem a cair ainda mais. De acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), o Brasil já conta com aproximadamente 515 mil unidades consumidoras de energia solar. Como o custo ainda é um impeditivo, algumas empresas estão apostando nas fazendas solares, que permitem que pequenos consumidores aluguem cotas da energia produzida nesses locais.
Considerando que boa parte do território nacional, especialmente da região Sudeste para cima, tem fonte abundante de sol por todo o ano, trata-se de uma solução quase que intuitiva. No entanto, não se pode dizer, com o perdão do trocadilho, que está tudo em céu de brigadeiro quando se trata de energia solar. Um capítulo particularmente conturbado diz respeito sobre os incentivos à geração distribuída de energia, modelo no qual o consumidor gera a sua própria energia. O grande debate gira em torno de eventuais subsídios que seriam aproveitados por aqueles Que têm como arcar com os sistemas que permitem esta forma de consumo de energia.
Nesse contexto, o Tribunal de Contas da União publicou um acórdão, no qual estabelecia um prazo de 90 dias para que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) — que vinha sofrendo severas críticas a respeito do assunto — apresentasse um plano de ação para uma nova regulação da “diferenciação tarifária”. Como não poderia deixar de ser, o caso foi parar na justiça e agora a decisão do TCU está suspensa, fazendo com que a Aneel não tenha que apresentar o plano no prazo pretendido.
Este imbróglio jurídico é apenas o mais recente capítulo de uma discussão que já ocorre há quase três anos tendo de um lado associações de consumidores, tal como o Idec, que consideram que os subsídios no fim acabam sendo aproveitados pelos mais ricos – que podem instalar os tais sistemas – em detrimento dos mais pobres, que acabam no fim pagando por isso; e os empreendedores desse setor que entendem que o incentivo – e não subsídio – seria necessário para amadurecer o mercado.
A solução parece ser novamente um novo marco legal para tentar pôr fim a essa discussão e criar um ambiente de transição que nem elimine o mercado, mas que também não onere o consumidor que não tem condições de instalar tais sistemas. Nesse sentido, está em trâmite o Projeto de Lei 5.829/19, que teria o condão de abarcar o interesse de todos os envolvidos.
De todo modo, o que se espera é que haja um crescimento exponencial na geração e consumo de energia solar nos próximos anos. O Brasil tem todas as condições, não só estruturais como geográficas, para fazer o melhor uso de uma das fontes de energia mais limpas que se pode gerar, mas o tempo é precioso. É preciso que o Brasil avance rapidamente nas questões regulatórias para criar um mercado robusto e altamente eficiente, aproveitando que este tema estará na agenda de todo o mundo pelos próximos anos.
*Paulo Henrique Spirandeli Dantas, advogado especializado em Infraestrutura e Direito Administrativo e sócio do escritório Castro Barros Advogados. Escreve periodicamente para a Coluna Legal, do Broadcast Energia.