Contencioso e Arbitragem
Valor Econômico

Decreto define mínimo existencial de R$ 303 para superendividamento

Norma, publicado hoje no Diário Oficial, complementa a Lei do Superendividamento

Um ponto importante da Lei do Superendividamento (nº 14.181, de 2021) foi regulamentado ontem pelo governo federal. Trata-se da definição do “mínimo existencial” — valor que deve ser preservado para o consumidor na negociação de dívidas. Essa fatia, de acordo com Decreto nº 11.150, deve corresponder a 25% do salário mínimo: R$ 303.

O decreto entra em vigor 60 dias após a data de sua publicação. O “mínimo existencial” é relevante para definir quem é superendividado, o que facilita a renegociação de dívidas com a participação de órgãos de defesa do consumidor. Reajustes futuros do salário mínimo não afetarão a atualização desse valor. Caberá ao Conselho Monetário Nacional eventuais atualizações.

Algumas dívidas ficam de fora desse limite: a de crédito consignado, de financiamento imobiliário e a decorrente de contrato de crédito garantido por fiança ou aval, entre outras. Essas podem avançar sobre a renda do devedor e deixá-lo com menos de R$ 303 no mês.

Apuração dos valores considerará a renda mensal do consumidor e as parcelas de dívidas vencidas e a vencer no mês.

A lei exige a apresentação, pelo devedor, de um plano detalhado de pagamentos — as despesas mensais (aluguel, água, energia e alimentação) devem estar elencadas. A ideia é que as negociações ocorram extrajudicialmente. Se não houver acordo, o devedor pode levar o caso às mãos de um juiz para estabelecimento de um plano de pagamento.

Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o decreto beneficia o sistema financeiro e prejudica a população. A entidade é contra o valor determinado como mínimo existencial e pondera que a decisão não leva em consideração a realidade atual da população brasileira.

“Havia um problemão com a falta de regulamentação. Agora há apenas um problema. Ainda vamos saber se o percentual adotado para mínimo existencial é adequado”, afirma o diretor-executivo do Procon-SP, Guilherme Farid.

O diretor explica que o limite do mínimo existencial também tem uma função preventiva e que, a depender do valor fixado, ele poderia limitar a oferta de crédito. “Um valor majorado poderia levar à falta de crédito e acabar empurrando [as pessoas] para a agiotagem.”

De acordo com Thais Matallo, sócia do escritório Machado Meyer, deixar o consignado de fora do mínimo pode ser um problema. “A legislação prevê que o superendividado pode reunir todas as dívidas na negociação. Às vezes, o próprio devedor não tem ciência de todas suas dívidas”, diz.

Ser considerado superendividado traz alguns benefícios para o consumidor se reerguer, acrescenta a advogada, pela negociação de forma de pagamento e prazos. A ideia da lei, afirma, é preservar quem não ganha bem, não tem garantias ou facilidade para concessão de crédito e que fica mais vulnerável financeiramente.

Sem a definição do valor do mínimo existencial os tribunais de justiça e órgãos de defesa do consumidor aplicavam diferentes percentuais. De acordo com Carlos Victor Paixão Ximenes, do Castro Barros Advogados, o decreto surpreendeu ao vincular o mínimo necessário a um percentual do salário mínimo e não da renda do devedor. De toda forma, Ximenes destaca que é importante existir uma regra objetiva.

O percentual também surpreendeu os advogados Fábio Ozi e Caroline Visentini, , do Mattos Filho. Para eles, a definição do mínimo fundamental é quase filosófica e o decreto partiu do princípio de que todo mundo tem o mesmo mínimo. O valor, acrescentam, tende a proteger mais quem ganha menos.

Para a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a definição de um conceito claro, objetivo e idêntico de mínimo existencial para todos os brasileiros, traz segurança jurídica e previsibilidade, protegendo o consumidor superendividado e, ao mesmo tempo, evitando retração e encarecimento do crédito.

No período de março a dezembro de 2020, o setor bancário renegociou voluntariamente cerca de 17 milhões de contratos, com um saldo devedor total de R$ 1 trilhão. Empresas e consumidores passaram a ter uma carência entre 60 a 180 dias para pagar suas prestações. (Colaborou Larissa Garcia, de Brasília)

https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2022/07/27/decreto-define-mnimo-existencial-de-r-303-para-superendividamento.ghtml