Especial: Copasa pode se beneficiar do ‘legado Sabesp’ e apetite por privatização
A desestatização da Sabesp deixou um legado positivo, abrindo precedente para mais operações do tipo no setor de saneamento, segundo especialistas. Uma das beneficiadas pode ser a Copasa, que voltou a ser cotada para privatização recentemente, após envio de projeto de lei para a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG). A leitura é de que há apetite no mercado pela companhia mineira, desde que a modelagem seja atrativa e que o governo de Romeu Zema consiga driblar os desafios políticos.
Enquanto as privatizações da Copasa e Cemig ficaram adormecidas na agenda mineira, o governo do Estado de São Paulo cumpriu a promessa de privatizar a Sabesp.
“A privatização da Sabesp representou uma evolução em relação ao processo da Eletrobras. O modelo adotado em São Paulo transmitiu uma segurança maior para investidores, assim como para o Estado e a população”, afirma o consultor e ex-diretor executivo da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon), Percy Soares Neto.
O sócio do escritório Castro Barros Advogados e especialista em infraestrutura, Paulo Henrique Dantas, avalia que companhias consolidadas do setor, que estudaram a Sabesp, mas acabaram não participando do processo até o final, devem “olhar com bastante carinho para a Copasa”. A lista extensa de interessados iniciais na empresa paulista chegou a incluir nomes como Aegea, BRK, Cosan e a francesa Veolia. No fim, porém, só a Equatorial fez lance.
A demanda setorial pode também impulsionar o interesse pela companhia, aponta a diretora-executiva da Abcon Sindcon, Christianne Dias Ferreira. O último leilão de saneamento, realizado em setembro, contou com quatro participantes de peso: BRK, Aegea, Pátria e Iguá. A última arrematou a concessão de Sergipe por R$ 4,6 bilhões, ágio de 122%. “A disputa consolidou mais uma vez a competitividade do setor privado no saneamento básico e demonstrou que o mercado está disposto a disputar ativos”, diz.
Números
A Copasa fechou o terceiro trimestre de 2024 com lucro líquido de R$ 368,3 milhões, alta anual de 9,3%.
A dívida líquida passou de R$ 3,44 bilhões para R$ 5,15 bilhões na mesma base comparativa. A alavancagem, medida por dívida líquida sobre Ebitda (sigla em inglês para lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), era de 1,8 vez no final de setembro. O índice de perdas na distribuição foi de 38,4% no mesmo mês contra 38,9% em setembro de 2023.
Minas é o Estado com o maior número de municípios: 853. A Copasa opera o abastecimento de água em 638 cidades, e de esgoto, em 309. No Estado como um todo, incluindo municípios não atendidos pela companhia, 84,2% da população tem acesso à rede de água, levemente abaixo da média nacional: 84,9%.
Em relação ao tratamento de esgoto, a cobertura é de 76,5% em Minas e de 56% no Brasil, segundo dados de 2022 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
A título de comparação, cerca de 95% dos habitantes do Estado de São Paulo têm acesso à rede de água e 90,5% à de esgoto, ainda de acordo com o SNIS.
Para Percy Soares Neto, não há como “desconsiderar o desafio relacionado ao esgotamento sanitário em Minas Gerais”. Ele destaca a situação da região do Vale do Jequitinhonha, a mais pobre do Estado. Nos municípios do Jequitinhonha, Mucuri e parte do Norte de Minas apenas 60% dos domicílios recebem água tratada, e 40% coleta de esgoto, segundo o governo de Minas.
Por outro lado, Minas tem duas cidades entre as 20 melhores posicionadas no Ranking do Saneamento de 2024 do Instituto Trata Brasil: Montes Claros e Uberlândia. A primeira conta com serviços da Copasa. A capital Belo Horizonte, também atendida pela companhia, possui 100% da população com acesso à água potável e coleta de esgoto, segundo o SNIS.
Minas precisaria investir R$ 50 bilhões em infraestrutura de água e esgoto de 2022 a 2033 para universalizar os serviços, segundo o Plano Estadual de Saneamento Básico, divulgado no ano passado pelo governo mineiro em parceria com a Abcon Sindcon.
O investimento anual previsto (R$ 4,2 bilhões) a partir de 2022 é cinco vezes maior que os R$ 866 milhões investidos em 2020 no Estado. Na projeção até 2041, para a completa universalização, o investimento chega a R$ 70 bilhões. O plano de investimentos da Copasa prevê cerca de R$ 10 bilhões entre 2024 e 2028.
Empuxo político
O sócio do Valerim Advogados e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Luis Felipe Valerim, classifica a Copasa um ativo de qualidade, mas considera que existem obstáculos até que a operação chegue ao mercado. “Esta privatização exige um empuxo político muito maior do que a Sabesp, o que gera certo ceticismo no mercado”, avalia.
Segundo informações de bastidores, as privatizações têm condições de criar consenso mesmo entre parlamentares independentes dentro da base aliada de Zema na Assembleia, mas outras agendas podem contaminar a disposição dos deputados.