Direito Público, Infraestrutura e Regulatório
Valor Econômico

Hidrovias à espera de avanços na regulamentação

Setor fecha o ano no azul, mas ainda precisa de investimentos em canais de navegação, construção de terminais fluviais e eclusas

Depois de amargar prejuízos pela seca, as hidrovias brasileiras registraram movimentação 5,36% maior no ano passado, na comparação com o anterior. Os dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) indicam que o transporte de carga em navegação interior teve balanço anual positivo em 2022, com 38,4 milhões de toneladas. O destaque ficou com as regiões hidrográficas Amazônica e Tocantins-Araguaia, responsáveis por 76% do transporte interior do país. Ambas tiveram crescimento de 14,5% e 13,1%, respectivamente.

A hidrovia do Paraguai também teve aumento no total de cargas transportadas (45,9%), uma surpresa positiva para o setor, que em 2020 havia registrado o menor nível de navegação em dez anos. Já a hidrovia Atlântico Sul contabilizou queda de 31,9%, enquanto a do Paraná registrou retração de 27,4%.

Com relação às principais mercadorias, o destaque no balanço da Antaq, de janeiro a dezembro de 2022, foi o milho. No ano passado, 22,1 milhões de toneladas do grão foram transportados entre os portos interiores, com um aumento de 87,2% em relação a 2021. Apesar de a principal carga movimentada pelas hidrovias brasileiras ter sido a soja – responsável por 20% do total embarcado –, a commodity teve queda de 9,4%. Já o transporte de minério de ferro cresceu 62% diante da elevação no nível do rio Paraguai.

Embora o balanço seja positivo em geral, alguns obstáculos à navegação hidroviária são recorrentes, como a falta de obras de dragagem e de sinalização. Nesse sentido, a Antaq está coordenando um grupo de trabalho interministerial para subsidiar um estudo de viabilidade técnico-ambiental para Parcerias Público Privadas (PPPs) para as principais hidrovias brasileiras. “Espera-se que o resultado desse esforço contribua para acelerar a atratividade e os investimentos necessários e, dessa forma, aumentar a movimentação de cargas e melhorar a competitividade”, informa a entidade.

Para Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), é preciso que haja regulação específica para conseguir avanços. “Ainda precisamos reforçar a necessidade de melhorar nossos rios: Madeira, Tapajós, Tocantins, Tietê-Paraná… O regulamento vem para estabelecer regramentos necessários e dar segurança jurídica aos investidores desses setores”, pontua.

Houve evolução em relação a alguns entraves passados, como a liberação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), em outubro, para licença prévia do derrocamento do Pedral do Lourenço. A retomada das operações na Hidrovia Tietê-Paraná, que chegou a ficar paralisada em consequência da seca, também foi um destaque positivo. Em 2022, foram transportadas 1,43 milhão de toneladas de produtos pelo trecho paulista da hidrovia, segundo a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do governo de São Paulo.

A expectativa da CNA era de que o mesmo esforço feito pela esfera federal para aprovar a Lei n° 14.301/2022, conhecida como BR do Mar (da cabotagem), deveria ser empregado para fomentar a navegação por hidrovias. “Continuamos tratando internamente com o [então] Ministério da Infraestrutura, fazendo modificações no texto que seria um desdobramento da BR dos Rios, mas o produto final, ou seja, o regulamento, de fato, não aconteceu”, diz Lopes.

Na avaliação do advogado Paulo Dantas, sócio do escritório Castro Barros Advogados e especialista em hidrovias, “regulação nem é tanto o problema”. Ele destaca a necessidade de haver um planejamento logístico que integre os meios de transporte. “O que precisa ser realizado mesmo é o Plano Nacional de Logística, que leve em consideração todos os modais possíveis e como um pode beneficiar o outro. Não podem ser vistos como competidores, mas como complementares”, destaca.

Em relação aos recursos, as hidrovias contam com R$ 1,061 bilhão do orçamento do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em 2023 para o custeio de intervenções em canais de navegação, construção de terminais fluviais e operação de eclusas, por exemplo. Apesar de a verba ficar com o Dnit, no entanto, é o atual Ministério de Portos e Aeroportos o responsável por planejar a política setorial. Em nota, a pasta afirmou que, cumprindo o que prevê o Decreto nº 11.354 de 1º de janeiro de 2023 (que criou a estrutura do novo governo federal), “administra as políticas públicas federais desenvolvidas para o setor de hidrovias, por meio da Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários”. O órgão citou alguns empreendimentos que devem avançar em 2023, entre os quais estão as dragagens dos rios Madeira e Paraguai, além do derrocamento do Canal de Nova Avanhandava – este último, em parceria com o governo paulista.

Outro destaque são as melhorias no sistema hidroviário Tapajós, a partir do plano de monitoramento contratado pelo Dnit para o trecho compreendido entre Itaituba (PA) e a foz do rio. A hidrovia movimentou 11,9 milhões de toneladas em 2022 e, de acordo com o ministério, existe a estimativa de que alcance

31 milhões de toneladas anuais. O Tapajós tem se destacado como importante corredor logístico para o deslocamento da produção agrícola proveniente, principalmente, do Mato Grosso.

Para a Hidrovias do Brasil, empresa de soluções logísticas integradas que tem o modal dos rios entre as frentes de atuação, as perspectivas para 2023 são positivas. “Estamos otimistas com os bons resultados decorrentes da normalização da navegação em nosso sistema Sul, com perspectiva de safra recorde no Mato Grosso, que terá impacto positivo em nossa operação no Arco Norte e com o pleno funcionamento da nossa operação em Santos”, afirma o CEO Fabio Schettino. A companhia ainda não fechou suas projeções para o ano, mas inaugurou recentemente um grande comboio de barcaças para grãos na região Norte, com capacidade de transportar até 70 mil toneladas. “A nova composição aumenta em 40% a capacidade de transporte quando comparado aos nossos comboios de 25 barcaças. Na comparação com o modal rodoviário, substitui aproximadamente 1,7 mil caminhões por viagem”, explica o executivo.

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