Ritmo de negociações coletivas volta a acelerar e movimenta bancas
No ano passado, foi atingido o maior volume desde a reforma trabalhista, em 2017, e com maior diversidade de temas
Mayra Palópoli: “Tem crescido o volume de consultas sobre regimes de contratação, como terceirização e pejotização” .
Após a queda registrada com a aprovação da reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017) e, posteriormente, a pandemia da covid-19, o ritmo das negociações coletivas voltou a acelerar. No ano passado, atingiu o melhor volume desde 2017. Foram 43.147 acordos ou convenções firmados e, segundo especialistas ouvidos pelo Valor, com maior diversificação de temas, como flexibilização da jornada de trabalho e regimes de contratação.
Esse crescimento é atribuído à retomada econômica após a pandemia, à chancela do Supremo Tribunal Federal (STF) para o pagamento da contribuição assistencial aos sindicatos e à segurança gerada com o julgamento da Corte que garantiu a prevalência do negociado sobre o legislado.
Em 2022, o STF decidiu que acordos ou convenções coletivas de trabalho que limitam ou suprimem direitos trabalhistas são válidas, desde que seja assegurado um patamar civilizatório mínimo ao trabalhador (ARE 1121633 ou Tema 1.046).
Embora ainda esteja distante dos patamares pré-reforma – em 2014, o número de negociações encostou em 50 mil -, o ritmo das conversas vem se acelerando desde a pandemia. Segundo dados do Ministério do Trabalho, no qual as partes devem registrar as convenções (setoriais) e acordos (por empresa), em 2017, ano em que a reforma foi aprovada, foram registradas 47.572 negociações. No ano seguinte, 41.219. E, em 2020, com a pandemia, caiu para 36 mil.
Com as transformações nas relações de trabalho aceleradas pela pandemia, as questões levadas para a mesa de negociação também estão mais complexas, o que tem feito com que empresas e trabalhadores redobrem a atenção sobre cláusulas e garantias.
Essa sofisticação tem resultado em um aumento na procura pela assessoria de escritórios de advocacia para as negociações, de acordo com Mayra Palópoli, do Palópoli & Albrecht Advogados. O faturamento da banca com acordos e convenções coletivas cresceu 56% em 2023, em comparação com os anos anteriores, e mais 68% em 2024, em relação ao ano anterior.
“Diante do aumento da demanda, fortalecemos nossa equipe de Direito e Negociações Coletivas, com a contratação de novos profissionais”, diz a advogada. Ela cita, entre os temas tratados nessas negociações, a Participação nos Lucros e Resultados (PLR), questões relacionadas à jornada de trabalho, vale-combustível e ao adicional de insalubridade. “Também têm aumentado as consultas sobre regimes de contratação, como terceirização e pejotização.”
No Lobo de Rizzo, a busca das empresas por consultoria também tem aumentado. Segundo Fabio Medeiros, as companhias têm precisado de apoio para reduzir ao máximo os erros de interpretação durante as negociações com os sindicatos.
“No escritório, nós checamos se há algo ilegal ou ilícito na negociação, o que pode vir a gerar eventuais questionamentos e em quais situações se aplica o entendimento do Supremo no Tema 1.046 [negociado sobre o legislado]”, afirma o advogado.
O advogado Antonio Carlos Aguiar estima que, no escritório Peixoto & Cury, a procura por assessoria para negociações tenha crescido pelo menos 30% nos últimos anos. A percepção é de que os temas estão ficando mais diversificados, e a negociação, mais estratégica.
“Não estamos mais só discutindo questões salariais, mas também a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), treinamento de equipe, critérios e punição para assédio, promoção de diversidade. Tudo isso está sendo colocado na negociação coletiva”, afirma.
Ele acredita que essa mudança veio para ficar. O encontro de novas gerações e uma atualização dos próprios sindicatos, diz ele, culminam na adoção de um viés mais “holístico” das negociações, em oposição a acordos mais lineares e tradicionais.
No Lopes Muniz Advogados, onde a procura por consultoria também aumentou, a demanda veio principalmente de pequenas e médias empresas. “As grandes empresas já trazem a negociação no DNA. Entre as menores, algumas não sabem quais assuntos podem ser acordados”, explica Zilma Ribeiro, sócia do escritório.
Embora a negociação costume ser conduzida por um departamento de relações sindicais dentro da própria empresa, não é incomum que os escritórios sejam procurados para consultorias um pouco mais especializadas, afirma Marcus Brumano, do Castro Barros Advogados. “O escritório entra na hora da questão legal. A negociação tem requisitos mínimos e o olhar jurídico é essencial nesses casos.”
Entre as bancas que defendem trabalhadores, a sensação é de que os temas ficaram mais complexos. José Eymard Loguercio, da LBS Advogadas e Advogados, destaca que a principal diferença foi que as empresas têm passado a fazer demandas nas negociações, o que não era comum.
“São cláusulas relacionadas, por exemplo, ao mínimo de trabalhadores aprendizes em setores que têm dificuldade com essa questão, como mineração, empresas de segurança”, diz. “Isso pode explicar a necessidade de que os dois lados se qualifiquem, inclusive para evitar a impugnação de cláusulas e acordos na via judicial.”
Luara Borges Dias, do mesmo escritório, também aponta uma tendência maior de busca pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) para mediar as negociações, especialmente por parte das empresas públicas.
“As companhias públicas ficam muito atreladas ao orçamento e as diretrizes da Secretaria de Governança do Ministério do Desenvolvimento tem deixado as negociações um pouco mais engessadas. Por isso a busca por intermediação”, afirma.
Loguercio acredita que o instituto precisa ser ainda mais valorizado. “A negociação aumenta a confiança dos dois lados, resolve problemas setoriais ou transitórios e diminui a judicialização. Ampliar a negociação facilita a administração e incrementa direitos. Mas isso exige, de fato, qualificação das duas bancadas.”
Para Mauro Menezes, do Mauro Menezes & Advogados, a retomada nas negociações reflete apenas a recuperação econômica após o baque da pandemia de 2020. Ele aponta que, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), 87,4% dos reajustes negociados em fevereiro resultaram em ganhos acima da variação do INPC na data-base. “Do ponto de vista econômico, portanto, as negociações estão em ascenso”, afirma.
Mas a reforma trabalhista, acrescenta Menezes, colocou os trabalhadores em situação de desequilíbrio frente às empresas. A concentração econômica e a fragmentação da situação laboral, diz, agravam o quadro, o que leva a uma dificuldade cada vez maior de negociar em pé de igualdade com as empresas.
“O sindicalismo enfrenta tempos difíceis, mas a estrutura ainda dá conta de representar os trabalhadores. A crise não é só do sindicalismo, é do modelo econômico. Mas isso não quer dizer que tenhamos que liquidar a possibilidade de que o sistema existente dê as respostas possíveis para as novas situações”, afirma.