Tributário

Esclarecimentos sobre a mudança de entendimento do STJ sobre a tributação de remessas ao exterior

Esclarecimentos sobre a mudança de entendimento do STJ sobre a tributação de remessas ao exterior

Recentemente, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao Recurso Especial nº 1.759.081/SP, interposto pela Fazenda Nacional, que trata da cobrança do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre remessas ao exterior para pagamento de serviços e assistência técnica.

O caso concreto envolve a discussão sobre o enquadramento, dentre as hipóteses previstas na convenção internacional celebrada entre o Brasil e Espanha (aprovada pelo Decreto Legislativo nº 62/1975 e promulgada pelo Decreto nº 76.975/1976), das verbas remetidas ao exterior pela empresa Engecorps Corpo de Engenheiros e Consultores S/A (localizada no Brasil) à empresa Técnica Y Proyectos S.A. (sediada na Espanha), em razão da prestação de serviços de engenharia e assistência administrativa, para o fim de determinar se tais verbas sujeitam-se à exclusiva tributação no exterior (residência) ou se sobre elas incide o IRRF no Brasil (fonte).

Em sede recursal, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) entendeu que os valores enviados ao exterior foram enquadrados como lucro das empresas, nos termos do artigo 7º, da Convenção Brasil – Espanha, sujeitando-se exclusivamente à tributação no exterior (residência), sem a incidência do imposto no Brasil (fonte).

A Fazenda Nacional, por sua vez, alegou violação ao artigo 535, do CPC/1973 (omissão), uma vez que o TRF-3, ao se debruçar exclusivamente sobre a hipótese prevista no artigo 7º, da aludida convenção, qualificando o rendimento como lucro das empresas, deixou de examinar a possibilidade de enquadramento deste rendimento nos demais dispositivos do tratado, quais sejam: (i) o artigo 12 (“royalties“), da Convenção Brasil – Espanha; e (ii) o item “5”, do Protocolo anexo. Vejamos:

Artigo 12, Decreto nº 76.975/96

“1. Os “royalties” provenientes de um Estado Contratante e pagos a um residente do outro Estado Contratante são tributáveis nesse outro Estado.

2. Todavia, esses “royalties ” podem ser tributados no Estado Contratante de que provêm, e de acordo com a legislação desse Estado, mas o imposto assim estabelecido não poderá exceder: a) 10% do montante bruto dos royalties pagos pelo uso ou pela concessão do uso de direito de autor sobre obras literárias, artísticas ou científicas (inclusive os filmes cinematográficos, filmes ou fitas de gravação de programas de televisão ou radiodifusão, quando produzidos por um residente de um dos Estados contratante); b) 15% em todos os demais casos.

3. O termo “royalties” empregado neste artigo designa as remunerações de qualquer natureza pagas pelo uso ou pela concessão do uso de direitos de autor sobre obras literárias, artísticas ou científicas (inclusive os filmes cinematográficos, filmes ou fitas de gravação de programas de televisão ou radiodifusão), de patentes, marcas de indústria ou de comércio, desenhos ou modelos, planos, fórmulas ou processos secretos, bem como pelo uso ou concessão do uso de equipamentos Industriais, comerciais ou científicos e por informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico. (…)”

 Item 5, Protocolo

“5. Ad/Artigo 12, parágrafo 3. A expressão “por informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico”, mencionada no parágrafo 3 do Artigo 12, compreende os rendimentos provenientes da prestação de serviços técnicos e assistência técnica”.

Com base nos dispositivos supracitados, a Fazenda Nacional afirma que o tratamento jurídico dado aos rendimentos provenientes dos serviços de assistência técnica e dos serviços técnicos é de “royalties“, submetendo-se a tratamento específico que permite a retenção na fonte pelo Brasil.

À vista disso, nos termos do voto do ministro relator do recurso especial em questão, Mauro Campbell Marques, diante das possibilidades existentes na convenção, é preciso verificar previamente se a situação é de serviços profissionais independentes (artigo 14 da Convenção) previstos no tratado ou se, embutido no contrato de “prestação de serviços sem transferência de tecnologia”, está o pagamento de royalties (artigo 12 da Convenção). Somente após essas análises, excluídas as classificações em tais artigos, é que se poderia estabelecer o enquadramento na condição de lucros das empresas (artigo 7º da Convenção). Isto porque a referida convenção contém disposições específicas para cada uma dessas hipóteses.

Além disso, para preservar a correta incidência do imposto, o ministro afirmou ser necessário avaliar se o contribuinte não está fazendo uso de hibridismo, ou seja, se a classificação dos rendimentos em questão é idêntica no País da fonte e no da residência, pois, caso contrário, o contribuinte poderá estar utilizando o tratado de forma abusiva com o fim de se furtar à tributação, sofrendo a menor carga tributária entre os países, diferindo o pagamento do tributo por longo prazo, deduzindo duplamente o valor que somente foi pago uma vez ou obtendo isenções simultâneas em ambos os países.

Assim sendo, considerando que a aplicação do artigo 7º da Convenção não pode ser automática, por decisão unânime, o STJ reconheceu a omissão ocorrida no julgado do TRF-3, determinando o retorno dos autos à origem a fim de que sejam analisadas as questões propostas.

Por fim, ressaltamos que, muito embora as convenções internacionais firmadas pelo Brasil adotem o modelo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em alguns casos não foram firmados protocolos de equiparação entre o tratamento conferido aos royalties e serviços técnicos, não se aplicando, portanto, o entendimento acima do STJ. São esses: (i) Áustria; (ii) Finlândia; (iii) França; (iv) Japão; e (v) Suécia. Nesses casos, os valores remetidos sujeitam-se à exclusiva tributação no exterior (residência), conforme artigo 7º (lucro das empresas). Esse posicionamento, inclusive, já foi reconhecido pela Receita Federal do Brasil, conforme COSIT, Solução de Consulta nº 153/2015, em âmbito da Convenção Brasil – França.

Os profissionais do departamento tributário do Castro Barros Advogados estão à disposição para prestar esclarecimentos sobre o tema.