Bancário

As criptomoedas na integralização de capital social de empresas no Brasil

As criptomoedas já deixaram de ser uma onda passageira e passaram a ocupar um espaço cada vez mais relevante no cenário econômico mundial. Dentre as mais de mil “moedas” digitais existentes, destacam-se como os três maiores ativos do mercado o Bitcoin, o Ethereum e o Ripple, sendo o Bitcoin a criptomoeda mais conhecida e negociada da atualidade.
O sistema de registros que garante a proteção das transações realizadas por meio de tais criptomoedas é conhecido como blockchain. Basicamente, funciona como uma espécie de “livro-razão” pelo qual são registradas as transações efetuadas de forma cronológica e definitiva. Além de ser público e único, o sistema é descentralizado e compartilhado, o que o torna quase inviolável, protegendo os integrantes de falsificações e gastos duplicados, e dificultando a vida de hackers e cyber criminosos.
A natureza jurídica das criptomoedas é um assunto polêmico não só no Brasil como em todo o mundo. O Poder Legislativo brasileiro inclusive já se manifestou sobre o tema, e está em curso o Projeto de Lei n°. 2.303/2015, de autoria do deputado Expedito Netto (PSD-RO), que poderá proibir, restringir e até mesmo criminalizar a negociação de Bitcoin e outras criptomoedas em território nacional.

Apesar do nome, as criptomoedas não podem ser juridicamente definidas como tais, ao menos em sentido estrito, por não se enquadrarem nos termos da Lei n°. 9.069/95 e do Decreto-Lei 857/69, nem tampouco possuírem as características apontadas pelo Supremo Tribunal Federal, já que podem ser recusadas como meio de pagamento, e não podem ser convertidas em valor de outra espécie[1].
Em um primeiro momento, o entendimento da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) foi de que as criptomoedas, dependendo do contexto econômico de sua emissão e dos direitos conferidos aos investidores, poderiam representar valores mobiliários, nos termos do art. 2°, da Lei 6.385/76[2]. No entanto, recentemente, aconselhou administradores e gestores de fundos de investimento a aguardarem manifestação posterior e mais conclusiva diante do questionamento acerca da possibilidade de estruturação de investimentos indiretos em criptomoedas[3].

Nesse contexto, é possível concluir que a intenção da CVM foi enquadrar as “moedas” digitais na categoria prevista no inciso IX do art. 2° da referida Lei de Valores Mobiliários. Ou seja, em tese, as criptomoedas deveriam ser ofertadas publicamente, gerar direitos de participação, remuneração ou de parceria ao investidor, inclusive decorrentes da prestação de serviços. Ocorre que a comercialização das criptomoedas, na prática, não apresenta os requisitos necessários para o seu possível enquadramento na categoria de valores mobiliários, não gerando rendimentos provenientes de esforços do empreendedor ou de terceiros.
Devido às suas características, tais moedas digitais poderiam ser definidas como commodities financeiras, bens que possuem cotação e “negociabilidade” global, além de sofrerem variação de acordo com as circunstâncias do mercado, como a oferta e a demanda. Desta forma, assim como os valores mobiliários, as criptomoedas também estariam enquadradas como bens incorpóreos, ou seja, apesar de terem existência abstrata, possuem valor econômico[4].

A possível utilização de tais bens na integralização de capital social de sociedades por ações, em tese, encontra previsão legal no art. 7° da Lei n°. 6404/1976, garantindo a possibilidade de contribuições em bens suscetíveis de avaliação para a formação do capital social. Contudo, na alínea “h” do art. 117 da referida lei, ganha destaque a proibição de realização do capital social da companhia em bens alheios à efetiva e concreta consecução de suas atividades sociais. Desta forma, é preciso que haja um cuidado especial no caso de integralização de capital com as criptomoedas, pois é imprescindível que tais bens sejam efetivamente utilizados pela companhia. Observado este ponto, não há qualquer óbice na legislação que venha a impedir a realização do capital social somente em criptomoedas, o que é inovador.

Os sócios das sociedades regulamentadas pelo Código Civil brasileiro, em sua maioria sociedades empresárias limitadas, também poderiam integralizar seus respectivos capitais sociais utilizando bens expressos em moeda corrente, nos termos do art. 997, III, do Código Civil. Tal contribuição – com as ressalvas mencionadas no parágrafo anterior, que se aplicam, ao menos por princípio, a qualquer modalidade de sociedade personificada – também pode ser feita com qualquer espécie de bens, corpóreos ou incorpóreos.
Portanto, em ambos os casos, é necessário que os bens integrantes do capital social possuam um valor pecuniário definido, o que não é tão simples no caso das criptomoedas, sendo essencial que se utilize uma metodologia correta de avaliação para que seja encontrado seu fair market value, ou seja, o preço que seria recebido no caso de uma transação não forçada entre participantes do mercado na data de sua mensuração. O grande desafio é precifica-las e estimar suas cotações futuras.

Tal fato levou algumas empresas de Wall Street a começarem a estudar métodos de “precificação” de uma das mais emblemáticas dentre as criptomoedas atualmente, o Bitcoin. O diretor de pesquisa sobre alocação de ativos da T. Rowe Price Group, Stefan Hubrich, afirma que para calcular o seu preço, é preciso definir o valor de mercado da moeda frente ao volume em dólares das transações no blockchain, adotando para tal propósito um período de quatro semanas em vez de doze meses normalmente usados para as ações, devido à quantidade limitada de dados históricos[5].

Evidentemente, o assunto ainda está em desenvolvimento, mas não se assustem se, em um futuro próximo, as criptomoedas atingirem um patamar notável no que se refere à integralização de capital social e sua utilização em outras operações societárias no Brasil. O caminho para a aplicação prática ainda é longo, mas já começa a ganhar contornos de uma possível realidade em médio prazo.