Sandbox Regulatório: uma brevíssima análise do instituto, recentemente implementado no Brasil, e as primeiras rodadas de testes
O Sandbox Regulatório permite que produtos e serviços inovadores sujeitos à regulação sejam testados com consumidores reais, em ambiente controlado e com benefícios regulatórios
O termo “Sandbox”, que, em tradução literal, significa “caixa de areia”, é inspirado na ideia dos parques americanos em que há um espaço (normalmente de areia), para que as crianças possam brincar e socializar sob a atenta vigilância dos pais, e tem origem nos testes de programas de informática[1]. No ambiente regulatório, a ideia foi introduzida em 2012 pela U.S. Consumer Financial Protection Bureau e institucionalizado sob a rubrica de “sandbox regulatório” pela Financial Conduct Authority (“FCA”) do Reino Unido, em 2015[2].
A proposta do Sandbox Regulatório é permitir que empresas (tanto nacionais quanto estrangeiras), detentoras ou não de autorização permanente para atuar no mercado, possam, por um período pré-definido, testar projetos inovadores com consumidores reais, em um ambiente controlado, mediante a flexibilização de algumas regras regulatórias e sob o acompanhamento constante do órgão regulador[3], que assume tanto o papel de fiscalizador quanto de consultor[4].
No Brasil, o Sandbox Regulatório foi adotado no país no ano passado, quando o BACEN e o Conselho Monetário Nacional (“CMN”) aprovaram, em 26.10.2020, as Resoluções BCB nº 29/2020 e CMN nº 4.865/2020, as quais regulamentam o funcionamento do “Ambiente Controlado de Testes para Inovações Financeiras e de Pagamento”, também conhecido como Sandbox Regulatório.
Na mesma linha, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) editou a Instrução CVM nº 626/2020 e a Superintendência de Seguros Privados (“SUSEP”) publicou a Resolução CNSP nº 381/2020 e a Circular SUSEP nº 598/2020.
No final do ano passado, o BACEN emitiu a Resolução BCB nº 50/2020, estabelecendo o procedimento para acesso ao primeiro Ciclo de Testes no âmbito do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro. Serão selecionados, em princípio, 10 projetos, número que poderá ser ampliado para 15 a depender da quantidade de empresas inscritas, bem como do interesse e da capacidade de acompanhamento dos órgãos reguladores.
As inscrições para participação nesse primeiro ciclo, que terá duração de 1 ano, prorrogável por igual período, caso verificados alguns requisitos previstos no art. 4º das Resoluções BCB nº 29/2020 e CMN nº 4.865/2020, poderão ser realizadas entre os dias 22.02.2021 e 19.03.2021[5]
No âmbito de competência da SUSEP, o primeiro ciclo se iniciou no ano passado, tendo sido concedidas autorizações temporárias a 6 empresas[6]. O primeiro Cohort (nome atribuído pela CVM aos ciclos de Sandbox) iniciou-se em 16.11.2020 e, atualmente, as aplicações estão sendo analisadas pela autarquia [7].
As iniciativas mostram-se pertinentes na medida em que, como regra, o Direito Regulatório não é capaz de acompanhar as disrupções causadas pelo exponencial avanço tecnológico, marcado pela atuação das FinTechs e Startups.
No Brasil, o projeto assume contornos ainda mais importantes, pois, se, por um lado, o país ocupa a liderança no ranking de empreendimentos dessa natureza[8], por outro, ocupa o 138º lugar no Ranking do Doing Business[9], estando entre as nações com maiores entraves para abertura de empresas no mundo[10].
Nessa linha, o art. 3º das Resoluções BCB nº 29/2020 e da CMN 4.865/2020, aclaram que “Sandbox Regulatório é um ambiente em que entidades são autorizadas pelo Banco Central do Brasil para testar, por período determinado, projeto inovador na área financeira ou de pagamento, observando um conjunto específico de disposições regulamentares que amparam a realização controlada e delimitada de suas atividades”.
Por sua vez, o Edital de Audiência Pública SDM nº 05/19, publicado pela CVM para consultar os players do mercado acerca da constituição do sandbox regulatório no âmbito de competência regulatória da autarquia, explica que o sandbox regulatório funciona “por meio da modulação temporária do ônus regulatório”, sendo que, “em contrapartida à flexibilização regulatória, os participantes do sandbox regulatório sujeitam-se a monitoramento contínuo específico pelos reguladores e à imposição de limites à atuação empresarial durante período de testes”.
A esse respeito, as referidas normas, seguindo o exemplo do que fizeram o Reino Unido, Singapura, Canadá e os outros mais de 30 países que já instituíram formalmente o regime de Sandbox, estabelecem, em suma, que o projeto inovador, elegível para participação no Sandbox, é aquele que “empregue inovação tecnológica ou promova uso alternativo de tecnologia já existente” e “promova aprimoramentos, tais como ganhos de eficiência, alcance ou capilaridade, redução de custos ou aumento de segurança”.
As Resoluções não elencam as possíveis dispensas regulatórias, as quais serão verificadas caso a caso e estipuladas no Termo de Autorização. Elas preveem, ainda, a cooperação entre o BACEN, a CMN a CVM e a SUSEP, em casos em que a atividade e/ou produto fornecidos tangenciem as áreas de competência das referidas autarquias, assim como garantem a proteção do sigilo dos dados estratégicos fornecidos pelas empresas participantes.
A iniciativa tem como objetivo tanto garantir que a Regulação acompanhe as necessidades do mercado, evitando insegurança jurídica, bem como o fomento à inovação tecnológica no Sistema Financeiro Nacional e no Sistema de Pagamentos Brasileiro, no Mercado de Valores Mobiliários e de Seguros mediante a facilitação do acesso a investimentos pelos participantes[11], a redução dos custos e do tempo de maturação para desenvolvimento de produtos, serviços e modelos de negócio inovadores, a promoção da inclusão financeira e o aumento da concorrência, reduzindo, por consequência, os custos repassados aos consumidores.
Ainda é muito cedo para prever se o Sandbox Regulatório brasileiro, de fato, alcançará as expectativas de sua criação. Porém, em vista dos resultados positivos nos demais países em que foi implementada[12], é possível dizer que, no mínimo, o cenário é promissor.
[1] FEIGELSON, Bruno. LEITE, Luiza. Sandbox regulatório: experimentalismo no direito exponencial, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020, p. 38
[2] JENIK, Ivo; LAUER, Kate. Regulatory Sandboxes and Financial Inclusion. Working Paper, Washington, DC: CGAP, 2017, p. 2.
[3] ARNER, Douglas W; BARBERIS, Jànos; BUCKLEY, Ross P. Fintech and Regtech in a nutshell, and the future in a sandbox. CFA Research Institute Foundation, 2017, p. 5
[4]Columbia Business School. Regulatory Sandboxes. Disponível em: <https://dfsobservatory.com/content/regulatory-sandboxes>. Acesso em 18 fev. 2021, 21h50.
[5] Conforme previsto no art. 4º da Resolução BCB nº 50/2020.
[6] Informação disponível em: <http://www.susep.gov.br/menu/sandbox-regulatorio>. Acesso em 17.02.2021, 16h.
[7] PORTARIA/CVM/PTE/Nº 75, DE 29 DE JUNHO DE 2020. Disponível em: < https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/anexos/2020/portaria_cvm_pte_75_2020_comite_sandbox.pdf-58b184bf48494336b0cf43e47feb009c>. Acesso em 18 fev. 2021, 21h.
Comissão de Valores Mobiliários. CVM inicia processo de admissão de participantes ao sandbox regulatório. Rio de Janeiro, 03 nov. 2020. Disponível em: <https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/cvm-inicia-processo-de-admissao-de-participantes-ao-sandbox-regulatorio-6be91db760f140e99e7570a82ec8d346>. Acesos em 18 fev. 2021, 21h20.
[8] BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO; IDB Invest; FINNOVISTA. Fintech: América Latina 2018: Crescimento e consolidação. Disponível em: <https://publications.iadb.org/publications/portuguese/document/Fintech-Ame%CC%81rica-Latina-2018-Crescimento-e-consolidacao.pdf>. Acesso em 16 fev. 2021, 17h
[9] O Doing Business é uma das principais publicações do Banco Mundial, em que se estuda anualmente como as leis e regulamentações promovem ou restringem as atividades empresariais dos países analisados.
[10] Disponível em: <https://portugues.doingbusiness.org/pt/data/exploreeconomies/brazil#DB_sb>. Acesso em 16 fev. 2020, 21h.
[11] De acordo com o Relatório divulgado pela UK Financial Conduct Authority, autoridade que regula o mercado de capitais britânico, destacam que há indicativos de que a participação das empresas no projeto do sandbox promovem um nível de segurança em vista do acompanhamento próximo da FCA nos testes e da redução dos riscos em relação aos aspectos regulatórios, o que, por sua vez, facilita o acesso dessas empresas a investimentos (UK Financial Condutc Authority, Regulatory sandbox lessons learned report, 2017). Disponível em: < https://www.fca.org.uk/publication/research-and-data/regulatory-sandbox-lessons-learned-report.pdf>. Acesso em 17 fev/2021, 22h40.
[12] A título de exemplo, destacam-se as informações constantes do já mencionado Relatório divulgado pela UK Financial Conduct Authority, em que se pontuou que, além dos avanços tecnológicos, 77% das empresas que participaram da primeira rodada de testes, entraram no mercado. É o caso, por exemplo, da AssetVault, que visa catalogar, em um só local, e proteger todos os bens e valores (tanto físicos quanto digitais) dos seus usuários. A plataforma fornece instrumentos tanto para a organização e gestão mais eficiente dos bens quanto para sua proteção, fazendo análises dos seguros mais apropriados aos ativos de cada usuário.