Direito Público, Infraestrutura e Regulatório
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O potencial do hidrogênio verde no Brasil

De acordo com dados do governo federal, 83% da matriz energética brasileira é composta por fontes renováveis, sendo 63,8% em hidroelétricas, 9,3% em eólicas, 8,9% em biomassa+ biogás e 1,4% em solar centralizada. Como já dito na coluna anterior, há um potencial enorme para um crescimento exponencial no uso da energia solar, seja na indústria seja nas residências.

Além de todas essas fontes das quais o Brasil tem uma certa abundância, há uma nova fonte de energia que se vislumbra no futuro que pode colocar o Brasil ainda mais na vanguarda das energias renováveis mundial. Trata-se do hidrogênio verde (H2V), uma técnica de obtenção de energia já existente, mas que economicamente não era viável.

No entanto, o avanço da tecnologia tem feito com que os custos necessários à realização da eletrólise da água – que consiste basicamente na separação dos átomos de hidrogênio do átomo de oxigênio por meio de uma corrente elétrica – venham caindo drasticamente. Com estes avanços, estima-se que 20% da matriz energética mundial possa vir a ser suprida por H2V em cerca de 30 anos.

Países como Austrália, Canadá, Reino Unido e vários países da União Europeia estão investindo maciçamente nesta nova fonte de energia, que tende a ser uma das mais limpas em um futuro não tão distante. A transição energética é uma combinação de necessidade, para frear as alterações climáticas que já estamos experimentando, e oportunidade, já que, ao mesmo tempo que é preciso controlar a emissão de gases poluentes, é também necessário suprir a sempre crescente demanda por energia.

Pensando nisso, a União Europeia, por exemplo, acabou de apresentar um pacote legislativo denominado “Fit for 55” cujo objetivo é reduzir em pelo menos 55% a emissão de gases de efeito estufa até 2030, prevendo grandes incentivos para quem investir nas chamadas fontes renováveis de energia, com destaque para o H2V. Isso tudo já se soma ao projeto de neutralização de carbono que a União Europeia pretende cumprir até 2050.

Neste cenário todo que se apresenta, o Brasil tem todas as condições para se tornar um grande produtor em escala global de H2V. Além de possuir uma matriz energética predominantemente renovável, que será fundamental na cadeia de produção do H2V para de fato neutralizar o carbono nas suas emissões, o Brasil possuiu condições geográficas que pode colocá-lo em uma posição de destaque neste novo mercado bilionário que se descortina. Alguns projetos-piloto estão sendo estudados e estados como Ceará, Rio de Janeiro e Pernambuco já assinaram memorandos de entendimento para o desenvolvimento da tecnologia que pode gerar algo em torno de R$ 100 bilhões em investimentos.

Fica claro, portanto, que é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada. Por essa razão, é preciso pensar em uma política pública de forma a criar condições regulatórias e estruturais que permitam o desenvolvimento deste mercado no Brasil desde já. Países como Alemanha e, um pouco mais próximos da nossa realidade, o Chile já possuem estratégias para incentivo e produção de H2V. No caso alemão há financiamento previsto de mais de 1 bilhão de euros a ser aplicado em H2V no programa de descarbonização já entre 2020 e 2023, com previsão de necessidade de importação de grandes quantidades de H2V para poder cumprir suas metas. Este é um cenário que deve se repetir em vários países desenvolvidos.

O Chile, percebendo a oportunidade, aliada à sua capacidade de produção de energia eólica e solar, vem realizando diversas parcerias com empresas de vários países para ser exportador e um dos líderes do mercado de H2V já em 2022. No Brasil, segundo estudo denominado “Bases da Consolidação da Estratégia Brasileira do Hidrogênio”, publicado em fevereiro de 2021 pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), alguns estudos estavam sendo desenvolvidos em relação ao uso do hidrogênio (não necessariamente o H2V) como fonte de energia desde 2005, sendo que o hidrogênio compõe o Plano Nacional de Energia 2050 aprovado pelo Ministério de Minas em Energia em dezembro de 2020.

Além disso, o Conselho Nacional de Política Nacional Energética (CNPE) lançou uma resolução para que até o fim deste mês sejam definidas as linhas gerais de um programa nacional de hidrogênio, que deve incluir o H2V. Há também alguns projetos de lei que tratam de hidrogênio em discussão no Congresso Nacional, mas nenhuma a respeito do H2V. A oportunidade, portanto, é tão grande quanto os desafios que se apresentam, que vão desde aspectos regulatórios básicos, como a convivência de agências regulatórias que podem “disputar” a titularidade normativa sobre o H2V, notadamente a Aneel e a ANP, passando pelos custos de produção envolvidos – ainda muito altos hoje em dia -, até questões mais práticas, como forma de armazenamento e transporte, por se tratar de um gás altamente volátil e inflamável.

De todo modo, o Brasil tem potencial para criar tanto um mercado local, em especial para alimentar setores da indústria que consomem grandes quantidades de energia e/ou para utilizar em setores de transporte, quanto para o mercado internacional, que deve criar uma demanda importante por este tipo de combustível nos próximos anos. A questão toda é aproveitar esta janela que se abre de forma mais eficiente possível, o que sempre é um desafio a mais quando se trata de Brasil, mas é preciso acreditar que, havendo uma coordenação entre interesses privados e incentivos públicos, se trata de um mercado que temos todas as condições de sermos parte relevante do processo.

*Paulo Henrique Spirandeli Dantas é advogado especializado em Infraestrutura e Direito Administrativo e sócio do escritório Castro Barros Advogados. Escreve periodicamente para a Coluna Legal, do Broadcast Energia.