Resolução de disputas judiciais de infraestrutura
O CRD-Infra é um importante passo para diminuir a judicialização e litigiosidade no setor de infraestrutura
O Ministério da Infraestrutura e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criaram em abril o Comitê de Resolução de Disputas Judiciais de Infraestrutura (CRD-Infra), órgão subordinado à Presidência do CNJ e que será responsável pelo tratamento de conflitos judiciais referentes a projetos qualificados no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). A iniciativa busca oferecer uma solução célere e eficiente aos conflitos relacionados ao setor de transportes, garantindo a devida segurança jurídica e a melhora e ampliação da interação entre o poder público e a iniciativa privada.
O CRD-Infra foi lançado em cerimônia conduzida pelo ministro Luiz Fux, presidente do STF e do CNJ, em 24 de maio, na qual destacou a necessidade de destravar as grandes obras de infraestrutura que se encontram paradas e estão em sendo discutidas judicialmente. Segundo o ministro Fux, a resolução de controvérsias dessa natureza de forma consensual é uma de suas prioridades na gestão como presidente tanto do STF quanto do CNJ.
Do ponto de vista prático, o presidente do CNJ, de ofício ou mediante solicitação a ele dirigida, por ministro de Estado responsável pelo projeto no PPI e com a devida manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU), poderá indicar o caso concreto passível de ser analisado pelo CRD-Infra. Uma vez identificado o caso, o CRD-Infra irá definir o método adequado para resolução do conflito em questão e realizará reuniões entre os interessados, buscando instituir a cooperação com os órgãos públicos envolvidos e sua autocomposição com o agente privado.
O CRD-Infra é um importante passo para diminuir a judicialização e litigiosidade no setor de infraestrutura
A iniciativa é muito bem-vinda e está em consonância com a evolução que se percebe na relação público-privada, a qual tem buscado cada vez mais enfrentar os desafios postos por meio da consensualidade e/ou por meios alternativos de resolução de conflito. A arbitragem, por exemplo, já é um instrumento bastante utilizado em contratos administrativos com respaldo tanto na jurisprudência quando na lei. A mediação, que também está respaldada em lei, ainda tem bastante espaço para avançar.
Importantes marcos normativos marcam esse processo de maturação da administração pública, a exemplo da Resolução nº 125/2010 do CNJ, a qual institui a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses, o Código de Processo Civil, que estabelece que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, e as Leis nº 13.129/2015 e nº 13.140/2015, as quais instituíram o uso da arbitragem e mediação pela administração pública.
Por fim, merece especial destaque a Lei nº 13.655/2018, que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) para acrescentar dispositivos referentes à criação e aplicação do direito público, nos quais previu a possibilidade de celebração de “compromisso processual entre os envolvidos” para a compensação por benefícios indevidos ou prejuízos causados ao erário público e impôs às autoridades públicas o dever de atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas.
O momento também parece ser propício e a atuação desse CRD-Infra poderá ser posta em prova muito em breve, já que há uma percepção no mercado que é praticamente inevitável uma onda de pedidos de reequilíbrio econômico e financeiro dos contratos do setor, muito por conta da pressão inflacionária que se enfrenta no país e no mundo, o que causa grande impacto nos custos envolvidos em grandes obras, as quais são previstas em contratos de concessão de uma maneira geral e no de transportes em particular.
Portanto, é de se indagar no que se difere e como será na prática o papel do CRD-Infra nesses casos. Isso porque, conforme apontado acima, a iniciativa privada não tem como acessar esse CRD-Infra diretamente. Pelo que se depreende, pelo menos em um primeiro momento, é que para a iniciativa privada utilizar desse mecanismo é preciso de alguma forma convencer o ministro da pasta responsável pelo projeto e obter a aprovação da AGU necessária para tanto. Outra ausência marcante são as agências reguladoras, que têm papel fundamental em discussões dessa natureza.
Reconhece-se que o CRD-Infra é um importante passo para diminuir a judicialização e litigiosidade no setor de infraestrutura de transportes, por meio do fortalecimento da utilização de métodos de solução consensual de conflitos. Além disso, demonstra o reconhecimento por parte do governo de que certas particularidades do setor exigem de fato um cuidado especial com a segurança jurídica, tendo em vista que os projetos inseridos no âmbito do PPI envolvem contratos de longo prazo, de caráter estratégico e investimentos vultosos, além de serem essencialmente complexos, o que naturalmente expõe as partes a diversos riscos, que não podem ser agravados pela instabilidade e imprevisibilidade desse mercado.
Para além de sua importância no setor de infraestrutura de transportes especificamente, a criação do comitê é um relevante marco no processo de amadurecimento da administração pública como um todo no que diz respeito à segurança jurídica e consensualidade.
Com isso, o que se espera é que o CRD-Infra, inserido nesse contexto de busca pela segurança jurídica e consensualidade na administração pública, seja mais um marco no fortalecimento da estabilidade e previsibilidade no setor de infraestrutura, fatores essenciais para viabilizar a atração de investimentos e o sucesso dos projetos que serão beneficiados por essa iniciativa.
Paulo Henrique Spirandeli Dantas e Rebeca Spuch são, respectivamente, advogado da equipe de Direito Público, Infraestrutura e Regulatório do escritório Castro Barros Advogados; e advogada da equipe de Direito Público, Infraestrutura e Regulatório do escritório Castro Barros Advogados