Direito Público, Infraestrutura e Regulatório
Valor Econômico

Ainda há perigo de rompimento

Apesar de mudanças na legislação e maior rigor no controle e alertas à população, desastres podem ocorrer, porque 11 barragens precisam de intervenções

Enquanto continuam as buscas por corpos em Brumadinho (MG), organismos e empresas do setor de mineração procuram lições que contribuam para reduzir o perigo de novos desastres nas barragens. Quatro delas continuam em nível de risco iminente de rompimento. Outras sete apresentam anomalias “não controladas”, necessitando de intervenções.

Em novembro de 2015, o desastre de Mariana deixou 19 mortos. Em janeiro de 2019, o rompimento de barragem em Brumadinho arrastou uma comunidade inteira, poluiu os rios e matou 270 pessoas, das quais quatro não foram encontradas. Por trás dos números frios das barragens, um intenso movimento dos familiares das vítimas de Mariana e Brumadinho ocorre em paralelo. As ações por reparação e compensação pelas mortes, pelas propriedades destruídas e por danos ambientais envolvem dezenas de bilhões de reais e continuam sendo negociados.

Nunca se legislou tanto sobre a segurança das barragens. Só no âmbito federal, foram publicadas 11 regulamentações importantes, uma delas reviu a Política Nacional de Segurança de Barragens, que era de 2010. No âmbito estadual, foram 15 novas regulamentações. Garantir transparência sobre as decisões tomadas em cada unidade de mineração foi um aprendizado importante. Reduziu o risco de novos desastres e aumentou a confiança, mas não eliminou o medo que paira sobre as comunidades vizinhas.

O cenário desenhado pelas 909 barragens de mineração em todo o país ainda parece inseguro. Esse é o total de barragens cadastradas no Sistema Integrado de Gestão de Barragens de Mineração (SIGBM). Um total de 496 está dentro da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). Elas estão classificadas em níveis de alerta e de emergência.

No grupo de alto risco, quatro estão em nível 3, que indica situação de ruptura iminente ou que já estaria ocorrendo. Conforme treinamento, pessoas nessa área são avisadas e evacuadas para fora da zona de segurança. Três dessas barragens pertencem à Vale, estão em Nova Lima, Ouro Preto e Barão de Cocais, em Minas Gerais. A quarta é da ArcelorMittal e fica em Itatiaiuçu, também no estado.

Em nível de risco 2, o segundo patamar de perigo, estão sete barragens, seis delas da Vale. São estruturas classificadas com anomalia “não controlada” ou “não extinta”, necessitando de novas inspeções especiais e intervenções. Outras 46 estão com nível 1 de emergência, quando uma anomalia é identificada e tem potencial de comprometer a segurança da estrutura. Outras 15 estão em nível de alerta, quando é detectada anomalia que não implique risco imediato à segurança, mas que deve ser controlada e monitorada.

Outro termômetro que indica o nível de risco é o número de barragens a montante, método onde as estruturas são construídas em camadas superpostas com o próprio rejeito da mina. Das 496 barragens inseridas na PNSB, 59 estruturas ainda resistem com esse método. Em 2019, quando se iniciou esse levantamento, havia 74 estruturas cadastradas como alterada pelo método construtivo a montante.

Logo após Brumadinho, a PNSB estabeleceu o prazo de 25 de fevereiro de 2022 para que as companhias descaracterizassem as barragens construídas ou alteadas pelo método a montante. Diante da complexidade da operação, e das dimensões das barragens em questão, as mineradoras reivindicaram prazo maior. Assim, a Lei 14.066/2020 autorizou a Agência Nacional de Mineração (ANM) a prorrogar o prazo estabelecido em razão da inviabilidade técnica ou outra razão referendada pela autoridade licenciadora.

Segundo dados disponibilizados pela ANM, o processo de descaracterização teve início em 2019 e, até o momento, foram “desmontadas” 11 delas, sete em Minas Gerais. São 59 barragens a montante enquadradas na PNSB, das quais 33 estão em fase de execução.

Julio Cesar Nery Ferreira, diretor de sustentabilidade e assuntos regulatórios do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), diz que “os acidentes de Mariana e Brumadinho provocaram avanços na legislação, definindo responsabilidades das mineradoras, fiscalizando suas ações e punindo suas falhas”. Ele observa que a nova regulamentação da ANM exige que o empreendedor de barragens institua planos e procedimentos para atender aos requisitos mínimos para o projeto, a construção, a garantia da integridade e estabilidade da estrutura, além da operação e a descaracterização, além de treinamento adequado da força de trabalho.

Segundo ele, entre outros avanços, está o emprego de equipamentos autônomos nas operações para evitar a presença humana em locais com riscos mais acentuados. “Há uma intensificação do emprego de sensores e da tecnologia da informação para banco de dados, análise de dados (big data) e internet das coisas (IoT) dos indicadores de riscos das barragens. Além de análises por radar, imagens por satélite e sensores integrados a softwares de video analytics, drones autônomos com sensores e veículos aéreos não tripulados (vant) ajudam no monitoramento das barragens. Na parte técnica, houve avanço no uso de tecnologias para desaguamento dos rejeitos, de forma a permitir o seu empilhamento, minimizando o uso de barragens.

Na aproximação com as comunidades, uma das ações é o Prox, sistema web e aplicativo de celular de compartilhamento de informações de riscos. “A população e órgãos de defesa terão acesso imediato às informações de riscos e alertas geológicos, hidrológicos, barragens, alterações no clima e muitos outros, relacionados à proteção das pessoas e à gestão de riscos”, diz Ferreira. O Prox está em fase de expansão e apresentação à população. Com esse conjunto de iniciativas, acredita, torna as barragens de mineração mais conhecidas e monitoradas tanto pelas empresas quanto pela ANM e outros órgãos responsáveis por esse acompanhamento.

As mineradoras buscam soluções para as barragens de rejeitos, agora proibidas pela legislação. A Vale, dona de 39 delas com essa metodologia, incluindo Mariana e Brumadinho, está filtrando os rejeitos, o que permite o empilhamento do material com baixo teor de umidade, eliminando a necessidade de barramentos. Segundo Rafael Bittar, diretor de geotecnia da empresa, foram investidos R$ 6,2 bilhões em quatro plantas de filtragem em Minas Gerais. O processamento a seco do minério, sem uso de água e sem necessidade de disposição em barragens, é outra tecnologia que vem crescendo. Segundo ele, “até o momento, nove das 30 estruturas desse tipo foram eliminadas e mais três têm previsão de conclusão até o fim deste ano”. Isso representará “40% do total do nosso Programa de Descaracterização, que já recebeu investimentos de quase R$ 5 bilhões desde 2019”.

O Ministério de Minas e Energia observa que, “desde o desastre de Brumadinho, houve melhora significativa nos padrões de segurança estabelecidos pelo poder público, nos níveis federal e estadual. Isso se deu principalmente após a publicação da Lei 14.066/2020, que aprimorou as disposições da PNSB”. As principais mudanças observadas foram novos investimentos realizados pelas empresas com o objetivo de melhorar o monitoramento das barragens, diz o ministério. Passaram a ser utilizadas câmeras de vídeo, sensores de deslocamento, radares e imagens de satélites, além da utilização de novas tecnologias construtivas, tais como a construção de estruturas de contenção e o empilhamento dos rejeitos “a seco”. Como exemplo, cita o caso da Vale com a construção de seis estruturas de contenção à jusante. E o desenvolvimento da primeira planta piloto de produtos para a construção civil, cuja matéria-prima principal é o rejeito do minério de ferro.

A CSN adotou equipamentos para a filtragem de rejeitos, bem como para a concentração magnética que reduz o volume de rejeitos. A Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), localizada em Araxá (MG), está desenvolvendo métodos de aproveitamento de rejeitos de minério de nióbio para a produção de concentrado de óxido de elementos terras-raras.

A AngloGold Ashanti, maior mineradora de ouro do país, vem implementando a metodologia de disposição de rejeitos a seco em todas as suas operações em Minas e Goiás. Em setembro de 2021, a barragem de rejeito da Mineração Serra Grande, em Crixás (GO), foi a primeira da empresa a deixar de receber rejeitos em polpa, substituindo a deposição convencional pelo método de disposição a seco. Além de trazer mais segurança para as pessoas e o meio ambiente, “o processo deixará um legado de sustentabilidade”.

Por trás das barragens e seus riscos, os desastres trazem outra questão sensível, os processos de reparação e compensação das vítimas e familiares. São indenizações de pessoas que perderam algum familiar, suas casas e seus bens e querem um ressarcimento justo. Por conta do número de pessoas envolvidas, dos danos causados ao ambiente e dos valores reivindicados, a ação se constitui em um dos maiores processos do gênero na história judiciária do país.

No caso Mariana, foi constituída uma entidade sem fins lucrativos, a Fundação Renova, com o propósito de gerir e executar os processos e ações de reparação e compensação dos danos causados pelo rompimento da barragem do Fundão. São 42 programas de reparação e compensação. A fundação foi instituída por meio de um Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC), assinado entre Samarco, suas acionistas Vale e BHP, os governos federal e estaduais de Minas e do Espírito Santo, além de uma série de autarquias, fundações e institutos em março de 2016. Do total de R$ 23,06 bilhões em ações de reparação e compensação destinados até junho deste ano, R$ 10,89 bilhões foram pagos em indenizações e auxílios financeiros emergenciais (AFEs) para mais de 389 mil pessoas. Diz a Renova que outros R$ 7,09 bilhões foram pagos pelo Sistema Indenizatório Simplificado para mais de 66,6 mil pessoas.

Uma ação coletiva contra a BHP, a favor de cerca de 200 mil vítimas da tragédia em Mariana, deverá ser julgada no Reino Unido. A ação foi realizada pelo escritório britânico PogustGoodhead, com o auxílio do escritório brasileiro Castro Barros Advogados. Em caso de condenação, o valor poderá superar 5 bilhões de libras.

A Vale informou em nota que “está comprometida em indenizar, o mais rapidamente possível, as pessoas que sofreram danos pelo rompimento da barragem em Brumadinho, ou que foram realocadas em razão do aumento do nível de emergência das nossas estruturas”. Conclui informando que “mais de 13 mil pessoas fecharam acordos, que, somados, alcançam R$ 3,1 bilhões.”

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/09/12/ainda-ha-perigo-de-rompimento.ghtml