Direito Público, Infraestrutura e Regulatório
Valor Econômico

Debate do TCU pode ter efeito em reunião de acionista da Eletrobras

Fontes ligadas ao conselho de administração dizem que eventuais questionamentos sobre a privatização eram esperados, mas expectativa é que a operação seja aprovada em Assembleia Geral Extraordinária de terça

Os questionamentos do ministro Vital do Rêgo, do Tribunal de Contas da União (TCU), sobre o valor da outorga da Eletrobras no processo de privatização da empresa podem ter impactos na Assembleia Geral Extraordinária (AGE) da companhia, marcada para terça. Acionistas da Eletrobras ainda avaliam se vão se movimentar em relação ao assunto, apurou o Valor. Ainda assim, dizem fontes ligadas ao conselho de administração da estatal, eventuais questionamentos sobre o valor final da operação por parte de grupos contrários à desestatização eram esperados. Mas a expectativa é que a operação seja aprovada na AGE.

Mesmo antes das discussões no TCU sobre o assunto, havia tentativas para suspender a reunião de acionistas. Uma delas, uma ação popular movida por deputados do Partido dos Trabalhadores (PT), foi negada pela juíza Solange Salgado da Silva, da Justiça Federal da 1ª Região. “Os autores nem sequer indicaram e instruíram a demanda-conteúdo com documentação que denote a alegada lesividade que justificaria o pedido de suspensão do procedimento de desestatização da Eletrobras”, disse a juíza.

Esse não é o único pedido em curso. A Associação dos Empregados da Eletrobras (AEEL), acionista da empresa, solicitou à 11ª Vara Federal do Rio de Janeiro a suspensão da assembleia. O argumento da entidade tem relação com a contratação de assessoria externa para calcular o “valuation” das subsidiárias Eletronuclear e Itaipu Binacional. Ambos os ativos passarão a ser controlados pela estatal Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar) depois da privatização, mas a Eletrobras seguirá como sócia nos projetos.

Na licitação, a vencedora LCA Consultores acabou desistindo de prestar o serviço e a Eletrobras optou pela dispensa da contratação. Em decisão assinada em 11 de fevereiro, o juiz Vigdor Teitel, da 11ª Vara Federal no Rio, concedeu prazo de 72 horas para que a Eletrobras apresentasse documentos sobre o assunto. Apesar do prazo, ainda não houve decisão.

A Eletrobras afirmou que não vai comentar as ações judiciais em curso contra a privatização.

Nesta semana, o TCU aprovou os estudos técnicos para a desestatização da holding do setor elétrico. O ministro Vital do Rêgo apresentou um possível erro metodológico no cálculo do valor agregado aos contratos (VAC) da estatal, que totalizariam perda de R$ 34 bilhões para a União com o bônus de outorga, segundo antecipou o Valor. Segundo os cálculos, a outorga passaria de R$ 23,2 bilhões para R$ 57,2 bilhões, enquanto os repasses para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que ajudarão a segurar aumentos nas contas de luz, subiriam de R$ 29,8 bilhões para R$ 63,7 bilhões.

As diferenças nos valores estariam relacionadas à precificação da potência instalada nas usinas da Eletrobras. De acordo com o governo, como hoje ainda não existe um mercado de potência de energia no Brasil, não é possível definir o valor econômico desse atributo.

Fontes a par das discussões apontam que novos questionamentos sobre esse ponto na assembleia da próxima semana não estão descartados, mas a expectativa geral é de aprovação pelos acionistas minoritários. Há investidores que analisam o assunto e ainda vão decidir se vão se movimentar a respeito, apurou o Valor.

Para um gestor que prefere não se identificar, a privatização tem mais chances de ser aprovada do que rejeitada, mas restam dúvidas sobre o cumprimento de todos os processos dentro dos prazos previstos pelo governo: “Quanto mais próximo da eleição, mais complicado fica”, aponta.

De acordo com o sócio do Castro Barros Advogados e especialista em energia, Paulo Dantas, novas ações judiciais podem surgir a partir das discussões levantadas pelo TCU, o que pode levar a atrasos.

Segundo ele, a abertura de uma nova ação tem chances de ganhar força agora, pois as questões apontadas no tribunal podem dar um caráter técnico aos questionamentos. “Os argumentos do governo [para seguir com o processo] são fortes, mas essa discussão do valor da outorga pode dar um impulso diferente aos questionamentos. Ainda pode haver novos capítulos nessa privatização, que o governo já dava como certa”, afirma.

O advogado Maurício Menezes, sócio do escritório Moreira Menezes Martins, não acredita em uma ação de minoritários para interromper o processo. Segundo ele, a despeito das discussões sobre o valor justo da outorga, a desestatização “vai gerar muito valor para o acionista”, além de favorecer uma melhor governança para a companhia. Para ele, a tendência é que resistências surjam a partir de sindicatos e entidades representantes de trabalhadores. “Do ponto de vista do acionista, há uma convergência. O potencial da empresa valer muito mais depois da desestatização é óbvio, vide casos como a Vale e a Embraer. O minoritário tem que estar rindo de orelha a orelha”, diz Menezes, que lembra que a União, como acionista majoritária, deve favorecer a aprovação.

A advogada Fernanda Telha, sócia de contratos e energia do PDK Advogados, concorda com o estudo técnico apresentado pelo ministro Vital do Rego, mas não acredita que isso tenha força para movimentar os minoritários na assembleia. Ela pondera que outros fatores podem surgir ao longo das discussões e cita o risco de que investidores estrangeiros passem a decidir sobre o uso da água dos reservatórios das hidrelétricas. “Quando se entrega para o estrangeiro a matriz energética, é ele que vai decidir [sobre o uso da água]. Sem a presença do setor público, a gente fica muito vulnerável”, diz.

Na AGE agendada para terça, os acionistas da Eletrobras votarão se autorizam a desestatização da companhia, além de deliberarem sobre detalhes da operação, como valores envolvidos no processo e a reforma do estatuto social. Acordos de acionistas serão vedados e qualquer acionista ou grupo será impedido de exercer votos em número superior a 10% do capital votante.

Todos os itens da pauta da assembleia precisam ser aprovados, sem exceção, para que a privatização avance. Depois da aprovação dos acionistas, caberá ao conselho de administração da estatal negociar, definir e aprovar os termos e condições da oferta de ações, como o cronograma e o preço.

A privatização da Eletrobras ocorrerá por meio de um aumento de capital. A empresa vai emitir novas ações em uma oferta primária e a União renunciará ao direito de subscrição, de modo a diluir a fatia que detém na companhia dos atuais 72,33% do capital votante para 45%. A previsão é que a emissão movimente de R$ 22 bilhões a R$ 26,6 bilhões, a depender do preço final dos papéis.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/02/17/debate-do-tcu-pode-ter-efeito-em-reuniao-de-acionista-da-eletrobras.ghtml