Recessão Global derruba custos
Movimento caiu 2,5% de janeiro a julho deste ano com a guerra na Ucrânia e a pandemia na China e provoca queda no valor do frete
O setor portuário movimentou 691 milhões de toneladas de janeiro a julho deste ano, queda de 2,5% ante igual periodo de 2021, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
O segmento de contêineres caiu 3,49%, para 74 milhões de toneladas, enquanto o de carga geral teve forte alta de 17,9%, para 40 milhões de toneladas, recuperando cargas que haviam sido conteinerizadas dez anos atrás.
“Em contéineres, a exportação caiu 3,5% de janeiro a agosto e a importação, 8,9%, em relação a 2021, que teve crescimento atípico. As quedas refletem problemas logísticos, paralisação dos portos chineses após o lockdown de maio e a guerra na Ucrânia”, diz Andrew Lorimer, CEO da consultoria Datamar.
Com os problemas logísticos, Rafael Dantas, diretor de vendas do operador logístico multimodal Asia Shipping, afirma que o frete marítimo Asia-Manaus chegou a U$ 20 mil e o de Asia-Sul-Sudeste, a US$ 14 mil. “Hoje, os fretes estão pela metade do preço, devido a uma sensibilidade global de uma recessão.”
No Brasil, a expectativa é em relação ao que vai ocorrer no setor após a eleição presidencial. Uma vitória do ex-presidente Lula pode pôr um freio na privatização das autoridades portuárias, embora os arrendamentos dos terminais-iniciados com a primeira lei dos portos, a Lei n° 8.630/1993 – devam continuar, ainda que em ritmo mais lento.
No atual governo, foram licitados 33 terminais desde 2019, e a ideia era chegar a 50. Houve ainda autorização para 57 TUPs e cinco prorrogações antecipadas. Além da licitação da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), houve a entrega dos estudos para privatização dos portos de São Sebastiao (SP), Santos (SP) e Itajai (SC). A meta é correr para licitá-los ainda neste ano.
No caso de Santos, o primeiro passo foi a edição da Resolução CPPI n° 246, de 16 de setembro de 2022, que aprova a modelagem e as condições de desestatização da Companhia Docas do Estado de Sao Paulo (Codesp), hoje Santos Port Authority (SPA), e a concessão do porto de Santos. Mario Povia, secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviarios do Ministério da Infraestrutura (Minfra), informa que em 23 de setembro houve a entrega oficial do pacote fechado ao Tribunal de Contas da União, que vinha recebendo documentos há 60 dias.
“Embora o TCU tenha 90 dias para analisar a documentação ao, o ministro relator Bruno Dantas sinalizou que isso seria tratado com absoluta prioridade e o tribunal não seria empecilho ao processo. É possível que o TCU delibere em 20 dias, a tempo de podermos bater o martelo e licitarmos Itajaí e São Sebastiao no início e no fim de novembro, respectivamente, e Santos na segunda quinzena de dezembro”, diz Povia.
Para ele, a privatização dos portos insere-se num planejamento setorial, nado sendo uma questão ideológica. O próprio governo do PT teria previsto isso na nova Lei dos Portos n° 12.815, de julho de 2013, que tratava, inclusive, de mudar o regime de arrendamento dos terminais para regime privado. “É preciso entender a infraestrutura como uma pauta de Estado, e não de governo.”
Para Paulo Dantas, sócio do escrit6rio Castro Barros Advogados, empresas de dragagem deveriam estar nos consórcios e não deveria haver limites a participação de terminais, o que pode gerar judicialização. Ele critica a velocidade da aprovação e afirma que não se pode descartar a possibilidade de uma licitação deserta. “Investimentos em infraestrutura devem ser analisados com calma. Apesar das pressões, acredito que o próprio TCU não deve se antecipar, e sim aguardar a definição do cenário político.”
Ricardo Propheta, CEO da BRZ, investidora no porto de Itapoá, diz que, independentemente do desfecho eleitoral, ambos os governantes têm interesse de que a infraestrutura se desenvolva. “A autoridade portuária é a gestora do condomínio, mas falha em questões como a dragagem, o que afeta a eficiência dos terminais.”
Já a licitação do quarto terminal de contéineres de Santos (o STS-10) corria em paralelo e tende a ser postergada. Povia diz que vão decidir se aguardam a decisão do TCU sobre Santos ou se podem continuar como STS-10. “Não temos dúvida de que precisamos do STS-10; a dúvida é se será arrendamento ou oferecido pelo operador privado de Santos.
Fernando Biral, presidente da Santos Port Authoriry, defende a implementação do terminal, que terá capacidade de dois milhdes de TEUs (unidade equivalente a um contéiner de 20 pés). “Hoje, estamos a 90% da capacidade total de 5,3 mil TEUs. Isso não é saudável, porque um novo terminal não é construído imediatamente. Não há risco de colapso, porque a própria Santos Brasil está ampliando a capacidade. Já a BTP não tem para onde crescer.”
A BTP é controlada pela Terminal Investment Limited (TIL), que opera 40 terminais em 27 países, pertence ao grupo de armadores MSC e, no Brasil, tem participação nos terminais de Navegantes (SC) e na Multiterminais (RJ). Segundo uma fonte da TIL, há disposição de continuar investindo em Santos, embora haja limitações regulatórias. A empresa rechaça as reclamag6es relativas à verticalização em que os grupos armadores controlam do navio ao terminal.
Para Ricardo Arten, presidente da BTP, a única forma de Santos ser mais atrativo é ter mais capacidade. O terminal verticalizado investe antes de a demanda chegar, porque os armadores precisam de previsibilidade e sempre vão procurar operação eficiente. A BTP tem 1,4 milhão de TEUs, podendo chegar a dois milhões, via renovação antecipada prevista para este mês com investimentos de R$ 1,4 bilhão. Mas ainda ficará em situação crítica.
“A BTP precisa investir, e a forma de a concorrência barrar isso é dizer que não são necessários mais terminais e que o armador prefere mais seu terminal. Mesmo com o STS-10, a demanda já vai encontrar de novo a capacidade total de Santos em 2032”, alerta Arten.
Já a Santos Brasil e a DPWorld, terminais sem armadores na cadeia de controle, têm espaço para novos investimentos e consideram que não há necessidade nem mercado para mais um terminal de contéineres. Para Antonio Carlos Sepúlveda, presidente da Santos Brasil, a privatização da autoridade portuária é bem-vinda, mas a permissão de participação dos terminais a apenas 5% não interessa a empresa.
“Quanto ao STS-10, a soma dos investimentos na Santos Brasil, na BTP e na DPW garante capacidade até 2030. Estamos terminando o investimento da segunda fase da ampliação de R$ 540 milhões, fora os R$ 450 milhões da fase 1. Na fase 3, serao mais R$ 600 milhões até 2031, para levar o terminal a uma capacidade de 3 milhões de TEUs por ano”, diz Sepúlveda.
Fabio Siccherino, presidente da DPWorld, gigante global de terminais com sede em Dubai, diz que, para receber os navios de 366 metros, o calado de Santos precisa subir de 14 para 15,5 metros, o que só será viável com os investimentos previstos na privatização. “Isso vai aumentar a movimentação e, só nesse cenário, será necessário um novo terminal a partir de 2032. Estamos negociando com Dubai a aprovação de investimento para elevar nossa capacidade de 1,2 milhão para 2 milhões de TEUs.”
Já a APM Terminals, do grupo de armadores Maersk, está entregando a concessão do porto de Itajai (SC) para se dedicar aos investimentos de R$ 2,6 bilhões no segundo terminal de contéineres de Pernambuco fora das instalações do porto organizado de Suape, que ocupa apenas 3,5 mil hectares dos 13 mil hectares do Complexo Industrial de Suape. O terminal foi arrematado por R$ 455 milhões e ocupara uma área do Estaleiro EAS, em recuperação judicial.
Roberto Gusmão, diretor-presidente do porto de Suape, informa que agora a meta é buscara sustentabilidade do Tecon 1, controlado pelo grupo filipino ICTSI, por meio do reequilíbrio econômico-financeiro do terminal, que ficou com tarifas muito elevadas.
Demir Lourenco, diretor-executivo do Tecon Salvador, da Wilson Sons, diz que, desde 2000, a empresa investiu R$ 950 milhões, sendo que R$ 550 milhões foram nos últimos dois anos e R$ 35 milhões em 2022. “Renovamos o contrato até 2050, com investimentos de R$ 715 milhões até 2034, prevendo um aterro para uma nova retroárea.”
No Sul, o Tecom Rio Grande, da Wilson Sons, vem sendo afetado pelo desarranjo logístico global agravado pelo lockdown chinês. Paulo Bertinetti, diretor-presidente do terminal, lembra que os Estados Unidos resolveram o problema da costa oeste(regido da California), mas congestionaram a costa leste (de Miami a Nova York), para onde a empresa embarcava produtos como o fumo. “No entanto, nossa posição é privilegiada para sermos um porto concentrador. Temos 15 metros de calado sem restrição de navios de 366, o que nos coloca com a melhor condição entre Santa Catarina e Argentina.”
No Espírito Santo, o grupo Imetame está investindo no porto Aracruz, que terá calado de até 20 metros. O porto está em construção, para entrar em operação em um ano e meio. “A vocação é para se tornar um hub port,
aproveitando as limitações de calado de Santos”, diz Anderson Carvalho, COO do porto Aracruz.
No Rio de Janeiro, o porto Sudeste, controlado pela joint venture entre a Trafigura e a Mubadala, caminha para se tornar um terminal multicargas ao iniciar uma operação inovadora de ship to ship ou double baking (transferência de carga entre navios no mar).
“Ja foram feitas duas operações para a Petrocal, com a transferência de óleo bruto do pré-sal da bacia de Santos, que chega de navio aliviador ao porto Sudeste, onde atraca ao lado de outro navio exportador no pier existente. Vamos usar o processo logístico para exportação ou mesmo transporte de cabotagem”, diz Ulisses Oliveira, diretor de assuntos corporativos e sustentabilidade do Porto Sudeste.