TST decide que regras da reforma valem para contratos de trabalho que já estavam em vigor
Entendimento, firmado em recursos repetitivos, deve ser seguido pelas instâncias inferiores
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu ontem que as alterações da reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017) se aplicam imediatamente aos contratos ativos na época em que entrou em vigor, em novembro de 2017, e não apenas àqueles firmados depois de sua promulgação.
A questão foi definida por meio do julgamento, no Tribunal Pleno, de recursos repetitivos, o que significa que a decisão deve ser seguida pelas instâncias inferiores da Justiça do Trabalho. O entendimento defendido pelo relator, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, venceu por 15 votos a 10. Dois ministros não participaram do julgamento.
Com a decisão, os trabalhadores perdem direitos suprimidos pela reforma trabalhista, a partir de sua vigência, como as horas de deslocamento (in itinere) — o tempo gasto pelo empregado, em transporte fornecido pelo empregador, na ida e volta ao trabalho. A questão era o pano de fundo do julgamento do TST.
No caso analisado, uma trabalhadora da JBS pedia para ser remunerada pelas horas de trajeto no ônibus fornecido pela empresa, entre 2013 e 2018. A empresa, em sua defesa, alegava que, a partir da reforma, em 2017, o tempo de percurso não é mais considerado como à disposição do empregador, e, assim, estaria desobrigada do pagamento a partir de sua vigência (processo nº 528-80.2018.5.14.0004).
Votação
O relator defendeu que as alterações da reforma trabalhista deveriam ter efeitos para todos os trabalhadores a partir da sua vigência. A fundamentação parte do princípio de que não existe direito adquirido a um regime jurídico instituído pela lei, e não acordado entre as partes.
“Quando o conteúdo de um contrato decorre de lei, a lei nova imperativa se aplica imediatamente aos contratos em curso, quanto a seus fatos pendentes e futuros”, defendeu o relator. “A lei nova não afeta o ajuste entre as partes, mas apenas o regime jurídico imperativo e, por isso, se sujeita a alterações subsequentes pelo legislador.”
Aloysio Corrêa da Veiga propôs a seguinte tese: “A Lei nº 13.467, de 2017, possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência”. E, no caso analisado, condenou a empresa a pagar pelas horas em deslocamento até 10 de novembro de 2017, dia anterior ao da vigência da nova lei.
A divergência foi aberta pelo ministro Maurício Godinho Delgado. Para ele, as mudanças não podem atingir o direito adquirido dos trabalhadores, só valendo para os novos contratos. “A regência do direito intertemporal, infelizmente, tem sofrido abalos, mas não há nenhuma razão para o Direito do Trabalho liderar esses abalos”, afirmou.
Análise
Vanessa Dumont, advogada da JBS no processo e sócia do Caputo, Bastos e Serra Advogados, afirma que a tese vencedora respeita o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a questão do direito adquirido. “A decisão traz segurança às empresas e aos trabalhadores, igualmente. Às empresas, pela confiança de que as relações contínuas de trabalho serão regidas pelas normas abstratas atualmente vigentes. Aos trabalhadores, pois a identidade de tratamento jurídico entre contratos antigos e novos desincentiva demissões para redução de custos”, diz.
Advogados trabalhistas apontam que o resultado do julgamento era esperado e traz segurança para as empresas. Conforme explica Ricardo Calcini, advogado do escritório que leva seu nome, o posicionamento já era “chancelado pela maioria das turmas julgadoras do TST, no sentido de que inexiste direito adquirido frente ao advento de uma nova ordem jurídica”.
Jorge Matsumoto, sócio do Bichara Advogados, acredita que o julgamento tem potencial para “corrigir entendimentos divergentes e consolidar regras claras, beneficiando tanto empregadores quanto trabalhadores, que passam a operar em um ambiente menos litigioso e mais previsível”.
Além da segurança, a decisão afastou a “possibilidade de tratamento desigual entre empregados contratados até 10 de novembro de 2017 e empregados admitidos após a entrada em vigor da reforma trabalhista”, aponta Marcus Brumano, sócio do Castro Barros Advogados na área trabalhista.
Para Bruno Maciel, sócio da Advocacia Maciel, a aplicação do entendimento para os demais pontos da reforma também garante “maior flexibilidade e competitividade no mercado de trabalho”.
Por outro lado, Eduardo Henrique Marques Soares, da LBS Advogadas e Advogados, que defendeu a Central Única dos Trabalhadores (CUT), amicus curiae no processo, aponta que o efeito do julgamento na verdade é o oposto, e traz insegurança jurídica. “As regras não deveriam ser modificadas, inclusive considerando o caráter social do emprego e a impossibilidade de redução salarial, consagrados no artigo 7º da Constituição”, afirma.
O resultado do julgamento é um alerta para o Congresso Nacional passar a debater, daqui para a frente, a inclusão de um artigo com a previsão de aplicação temporal nas leis que digam respeito ao Direito do Trabalho, segundo a avaliação de Marcos Fantinato, sócio do Machado Meyer.
Os votos no TST, para o advogado, apontam que há potencial para o tema ser levado ao Supremo Tribunal Federal (STF), já que foram suscitados dois princípios constitucionais pela corrente vencida: o artigo 5º, inciso XXXVI, que diz que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” e foi invocado para manter as regras anteriores aos contratos firmados antes da reforma; e o artigo 7º, segundo o qual os direitos dos trabalhadores devem garantir a “melhoria de sua condição social”.