Trabalhista
Valor Econômico

TST estabelece critérios para concessão de justiça gratuita

Tese firmada pelo TST foi além do que determinou a reforma trabalhista

O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST) fixou ontem critérios para a concessão de justiça gratuita nos processos trabalhistas. Segundo a tese, aprovada por 18 votos a 6, a mera declaração do trabalhador de que não tem recursos para pagar as custas judiciais é suficiente para concessão do benefício.

A discussão tem como pano de fundo a reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), que incluiu na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) a previsão de que os juízes poderiam isentar das custas processuais apenas quem recebe salário de até 40% do teto da Previdência Social – hoje o equivalente a R$ 3.114, 40.

A tese do TST deu um passo além. Determinou que, independentemente do pedido da parte, o juiz tem o “poder-dever” de conceder a justiça gratuita para quem recebe até esse limite.

Para remunerações mais altas, a declaração firmada pela própria parte de que não pode arcar com as custas do processo sem comprometer seu próprio sustento e o de sua família, a princípio, deve ser considerada verdadeira.

Contudo, diz a tese aprovada, se a parte contrária quiser questionar esse benefício, deve apresentar provas. O juiz, então, deve dar ao trabalhador a oportunidade de se manifestar, e depois decidir com base nos argumentos apresentados pelos dois lados da discussão (processo nº 277-83.2020.5.09.0084).

O mérito da questão já tinha sido analisado pelo Plenário no mês de outubro. Na ocasião, por 14 votos a 10, os ministros rechaçaram a possibilidade de a previsão da reforma trabalhista valer só para quem ganha salário abaixo do limite determinado no texto da lei, direcionando o ônus da prova para a empresa.

O caso usado como parâmetro pelo TST era o de um trabalhador que processava o Banco do Brasil. Ele pedia o pagamento de indenização por danos materiais, uma vez que verbas deferidas em outra ação trabalhista não tinham sido incluídas no cálculo de complementação de sua aposentadoria.

Nessa ação, foi aplicada a tese do mérito sobre a gratuidade da Justiça e determinado o retorno dos autos do processo à turma responsável pelo julgamento para decidir sobre outras questões recursais. O mesmo procedimento foi adotado em relação a outros dois processos julgados em conjunto (RRAg 20599-04.2018.5.04.0030 e RRAg 293-88.2022.5.21.0001).

Segundo o advogado Mauro Menezes, do escritório Mauro Menezes & Advogados, que representou o trabalhador no TST, a nova tese assegura a previsão constitucional do acesso à Justiça, e “exprime corretamente o teor do julgamento que foi feito a respeito do tema em outubro”.

Ele sustenta que as empresas não terão dificuldade para comprovar o poder aquisitivo do funcionário quando for o caso de contestar a concessão. Isso porque elas têm acesso à documentação pertinente ao tema. “Pode dar algum trabalho para provar, mas isso é natural”, diz Menezes. “Nenhum bom advogado de empresa terá grande dificuldade, até porque a vida econômica, hoje, é objeto de possível cogitação.”

Na prática, atualmente, as empresas rés já contestam esse tipo de pedido e procuram fazer prova de sinais de riqueza do autor, segundo aponta Marcos Fantinato, sócio trabalhista do Machado Meyer. “A partir da nova tese, as empresas deverão ter ainda mais cuidado na exibição das provas”, diz.

Ele cita como possíveis meios de prova as postagens em redes sociais, cópia de contrato social em que o autor da ação figura como sócio e o levantamento do valor de negociação de imóveis semelhantes ao imóvel em que reside o autor da ação, por exemplo.

Alexandre Lauria, sócio do Pipek Advogados, afirma que a posição está alinhada com a tradicional jurisprudência do próprio TST, que já tratava a declaração da própria parte como um documento que gerava presunção relativa. “A grande inovação é a necessidade de instauração de incidente para dirimir a questão, caso haja impugnação, o que contribuirá para maior seriedade nos pedidos de gratuidade por parte de trabalhadores que ganham salários maiores”, diz.

Para Marcus Brumano, sócio da área trabalhista do Castro Barros Advogados, a decisão do TST vai ocasionar aumento dos processos judiciais. “O juiz do trabalho poderá adotar como único elemento de convicção a autodeclaração, em benefício próprio, cabendo à parte apresentar prova em sentido contrário”, afirma.

Procurado pelo Valor, o Banco do Brasil, que era parte ré no processo julgado pelo TST, informou que não iria comentar a decisão.

O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda pode se pronunciar a respeito, em uma ação da Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif). A entidade defende que, para concessão da gratuidade, a parte deve ser obrigada a provar que recebe salário igual ou inferior a 40% do limite da Previdência. Sob relatoria do ministro Edson Fachin, ainda não tem data para ser julgado (ADC 80).

https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/12/17/tst-estabelece-criterios-para-concessao-de-justica-gratuita.ghtml