Imobiliário

As Transformações do Mercado Imobiliário Pós Pandemia

As Transformações do Mercado Imobiliário Pós Pandemia

Quando o Brasil ensaiava o final de uma dolorosa recessão, impulsionado, de certa forma, por importantes reformas, a COVID-19 provocou uma inédita paralisação instantânea em diversos segmentos da economia trazendo uma série de incertezas para o mercado em geral.

Naturalmente, com o mercado imobiliário, que vinha demonstrando uma retomada razoavelmente sustentável, não foi diferente, confirmando a primeira parte da dura lição aprendida em uma das maiores crises experimentadas pelo setor, entre os anos de 2014 e 2018: o mercado imobiliário é o primeiro a sentir os efeitos de uma crise e um dos últimos a se recuperar.

Isso se dá porque a compra de um imóvel é, provavelmente, o maior investimento que a grande maioria das pessoas realizará e, sem otimismo em relação ao futuro, não há confiança para se assumir compromisso tão impactante no orçamento familiar. Da mesma forma, superada a crise, a prioridade é a estabilização no trabalho, liquidação e/ou renegociação de dívidas e retomar a aquisição e/ou substituição de bens de consumo de necessidade mais imediata.

A partir de março de 2020, quando a COVID-19 iniciou sua escalada no Brasil, a maioria dos governos estaduais, acompanhados pelas prefeituras das principais metrópoles do país, em regra determinaram o fechamento de todos os estabelecimentos comerciais considerados não essenciais, o que impôs à população em geral à necessidade de permanecer em casa, com o propósito de desacelerar o ritmo de contaminação, reduzindo, assim, o risco de colapso do sistema de saúde, enquanto a infraestrutura hospitalar se adaptava às necessidades decorrentes da pandemia.

A quarentena iniciada em março – e que se estende até hoje em muitas regiões -, mudou os hábitos sociais, mas, principalmente, os corporativos. O home office, antes restrito a nichos profissionais específicos e visto com certa desconfiança pelos setores mais tradicionais, instantaneamente passou a ser adotado pelo empresariado em geral, o que resultou em questionamentos sobre as reais necessidades de se instalar escritórios em grandes espaços corporativos.

É bem possível que, em razão disso, os grandes centros urbanos venham a sofrer profundas transformações. O fechamento de estabelecimentos comerciais e a adesão bem-sucedida ao home office, tendem a afastar as pessoas dos escritórios localizados nos centros das grandes cidades, o que poderá resultar na conversão de edifícios comerciais em locais de ocupação mista ou estritamente residencial.

Segundo estimativas da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis, a pandemia provocou um aumento inusitado na devolução de lojas e andares comerciais

no Centro do Rio de Janeiro. Hoje, 40% dos escritórios na região estão vazios. A entidade estima que esse percentual de desocupação possa atingir até 53% no referido bairro, que hoje responde pela segunda maior arrecadação de IPTU da Cidade.

Na mesma linha, pesquisa realizada pela Talenses Group, em parceria com a Fundação Dom Cabral, indicou que mais de 70% das empresas entrevistadas acreditam na continuação do trabalho remoto, integral ou parcialmente, após a COVID-19. Com isso, como boa parte das pessoas continuarão trabalhando em suas residências, comparecendo fisicamente de forma esporádica às suas antigas posições de trabalho, gastos excessivos com grandes espaços corporativos provavelmente não farão mais sentido em muitos setores da economia, como o de serviços, grande consumidor de amplas áreas em imóveis comerciais.

Para o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP), Odair Senra, após a pandemia certamente haverá mudanças no mercado de escritórios: “Os espaços deverão ser revistos, tanto no tamanho quanto na disposição interna e na redução de gastos com ocupação”.

Neste cenário, a médio prazo, os escritórios de grandes empresas poderão dar lugar aos centros de trabalho compartilhado (co-working), em que os inquilinos têm flexibilidade para aumentar ou diminuir a área ocupada conforme as necessidades que surjam, ou até mesmo resultar em projetos de retrofit, transformando tais espaços em novas unidades residenciais, tendo em vista que os centros urbanos consolidados apresentam boa infraestrutura urbana (redes de água e esgoto), facilidade de transporte e de equipamentos culturais (museus, pontos de interesse turístico, exposições, etc.), além de serem mais acessíveis para consumidores de baixa renda, o que poderá resultar na reconfiguração de tais bairros.

No que diz respeito à locação de imóveis, um segmento do mercado imobiliário que sofreu os efeitos mais imediatos da COVID-19 foi o de shopping centers que, nas principais capitais do Brasil, num dia fecharam suas portas como rotineiramente faziam e, no dia seguinte, amanheceram com decretos estaduais e municipais determinando, na maioria dos casos, o fechamento de todo o centro comercial, já indicando a grave crise que acometeria lojistas e empreendedores, isso sem contar com o volume considerável de ações judiciais buscando a revisão dos contratos de locação ou até mesmo a devolução antecipada de imóveis, sem a incidência de cláusulas penais.

De acordo com Giancarlo Nicastro, CEO da Siila Brasil, o setor de shopping centers vem enfrentando muitas dificuldades: “Mesmo com cerca de 70 reabertos no Brasil, nem todos com todas as lojas abertas, a ocupação representa 20% a 30% do que os shoppings costumavam ter. Além disso, as áreas de entretenimento serão as últimas a serem liberadas, incluindo vallet, cinema, e praça de alimentação. É um segmento que precisará se reinventar”, afirma.

Para ele, a solução de curto prazo com o objetivo de sobrevivência, será a transformação dos shoppings em hubs de consumo. Ainda segundo Nicastro , os shoppings se adaptam facilmente e uma das saídas é virar o chamado “last mile”, ou seja, um distribuidor em microrregiões: “Os shoppings têm espaço e localização, então, se tirar as pessoas de dentro, continua tendo espaço e distribui de forma mais rápida. Vai ser a saída para a sobrevivência”.

Outra vocação para os shoppings em um futuro próximo é se tornarem um centro de entretenimento e serviços, com cinemas, teatros, parques temáticos e gastronomia, pois um dos grandes marcos de transformação decorrente da necessidade de isolamento social foi o boom do e-commerce no Brasil, que sempre foi muito carente de tecnologia e logística, o que certamente levará uma fatia do faturamento das lojas físicas.

Especificamente em relação ao segmento de imóveis voltados para logística (galpões e centros de distribuição), a pandemia e as restrições governamentais não afetaram suas atividades, como aconteceu com shoppings e escritórios. O cenário anterior à COVID-19 já indicava aumento da procura por locação de áreas em condomínios logísticos no Brasil, o que vinha atraindo o interesse inclusive de fundos de investimento imobiliário.

Com o advento da COVID-19, o e-commerce ganhou enorme força em curtíssimo espaço de tempo, tornando-se a melhor alternativa ao fechamento das lojas físicas e à necessidade de distanciamento social, na medida em que as pessoas não poderiam prescindir de numerosos itens de consumo, fazendo com que o e-commerce tenha sido o grande responsável por novas locações em imóveis logísticos de alto padrão durante este período.

Para se adaptar à nova forma de vender seus produtos, empresas que operavam primordialmente através de estabelecimentos físicos, tiveram que se reinventar para sobreviver, o que demandou investimento em diversas formas de distribuição de produtos, seja através de marketplace (shopping center virtual que reúne diversas marcas em uma única plataforma), ou até mesmo por Correios, drive-thru e entregas por aplicativos.

Por fim, conforme matéria circulada em Newsletter da Infomoney, muitas das empresas que citam a questão do e-commerce como a grande solução do momento, observam que ainda estamos longe de suprir as vendas que eram efetuadas em lojas físicas. Não por acaso, o investimento no setor de logística tem se mostrado um dos mais seguros durante a pandemia – até mesmo na bolsa de valores, com ações de empresas como Magazine Luiza e Via Varejo apresentando algumas das maiores altas por lá. E são exatamente essas empresas que estão procurando galpões aptos a funcionar como centros de distribuição para darem conta da alta da demanda.

Diante do cenário instalado pela COVID-19, mais uma vez o mercado imobiliário terá que se reinventar para superar os grandes desafios que estão por vir. Apesar disso, não vemos motivos para temor e desconfiança, pois as empresas que atuam neste setor enfrentarão essa fase muito mais estruturadas e preparadas do que em 2014, na medida em que adotaram práticas mais conservadoras, reduziram custos e desenvolveram mecanismos de controle mais eficientes, sendo certo que aquelas que conseguiram se capitalizar nesse período terão ótimas oportunidades de negócio, aliadas à taxas de juros mais baixas, o que contribui para fomentar a aquisição de unidades imobiliárias.

Uma coisa é certa: o mercado imobiliário já enfrentou diversos ciclos de pujança de negócios e de grandes dificuldades, mas sempre encontra seu protagonismo na economia brasileira, fazendo com que o setor da construção civil continue como um dos maiores empregadores do país.