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A MP do Teletrabalho e o que falta esclarecer

Governo publicou em março medida provisória que altera legislação do teletrabalho

Medida Provisória nº 1.108/2022 já está em vigor e alterou de forma relevante os artigos sobre teletrabalho previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A expectativa agora é que essa MP seja encaminhada ao Congresso Nacional para que, no prazo de 60 dias (prorrogáveis automaticamente por igual período), possa ser convertida em lei (caso contrário, perderá a validade).

A MP regulamenta alguns pontos importantes acerca do teletrabalho, com destaque para: a fixação dos conceitos de teletrabalho e trabalho remoto, previsão do regime híbrido, adoção do trabalho remoto para estagiários e aprendizes, enquadramento sindical para empregados em trabalho remoto, bem como regras para o trabalho realizado fora do território nacional.

Com o início da pandemia, muitas foram as tentativas de conceituar teletrabalho e trabalho remoto, gênero cujas espécies ficaram mais conhecidas como home office (trabalho da residência), anywhere office (trabalho de outros países), trabalho nômade ou móvel (em coworking, cafeterias, etc.). Em especial porque o artigo 62, inciso III, da CLT, introduzido pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), dispunha que empregados em teletrabalho estariam excluídos das regras relacionadas ao controle de jornada e pagamento de horas extras.

Muitos defenderam que o trabalho remoto não seria sinônimo de teletrabalho para fins da exceção de controle de jornada. Por exemplo, vale lembrar que, em outubro de 2020, o Ministério Público do Trabalho (MPT) editou a Nota Técnica nº 17/2020, na qual recomendou às empresas a observância da jornada contratual nas atividades em trabalho remoto, bem como a adoção de mecanismos de controle da jornada nesse regime.

A MP 1.108/22 poderá colocar um ponto final na referida discussão, ao dispor que o teletrabalho e o trabalho remoto são sinônimos para fins legais. O regime híbrido de trabalho, modelo que deve prevalecer em grande parte das empresas com o arrefecimento da pandemia, também foi regulamentado, sendo possível a prevalência do trabalho presencial ao trabalho remoto e vice-versa.

Em relação ao controle de jornada, a MP modifica o artigo 62, inciso III, da CLT já citado, para dispor, em caráter exclusivo, que os empregados em teletrabalho que realizam serviço por produção ou tarefa estão desobrigados de controle de jornada e pagamento de horas extras. Noutras palavras, todo empregado em regime de teletrabalho, trabalho remoto e/ou regime híbrido de trabalho, que não presta serviços por produção ou tarefa, deve ser contratado por jornada e receber horas extras.

O texto é claro no sentido de que, por meio de acordo individual as partes poderão dispor sobre os horários e os meios de comunicação entre empregado e empresa, desde que sejam respeitados os repousos legais.

A MP permite a adoção do regime de teletrabalho ou trabalho remoto para estagiários e aprendizes, assunto que vinha gerando incerteza e dificuldades no planejamento das atividades das empresas. O enquadramento sindical para empregados em trabalho remoto também foi regulamentado, confirmando-se que seguirá a base territorial do estabelecimento de lotação do empregado.

Agora também não restam dúvidas de que para empregados contratados no Brasil que optarem por realizar o trabalho fora do território nacional, aplica-se a legislação brasileira.

A MP deixou de tratar de ao menos dois aspectos relevantes e polêmicos relativos ao teletrabalho. O primeiro, relacionado à possibilidade de fiscalização das condições de trabalho na residência do empregado (inclusive, para garantir condições ergonômicas adequadas) e à responsabilidade do empregador em acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais no âmbito da residência ou do local remoto de trabalho e/ou pelo fornecimento de equipamentos de proteção e infraestrutura com o propósito de garantir que o ambiente de trabalho remoto esteja em condições ergonômicas adequadas.

Sobre o tema, na Nota Técnica nº 17/2020, o MPT orienta as empresas a observarem os parâmetros de ergonomia para empregados em home office, “oferecendo ou reembolsando os bens necessários ao atendimento dos referidos parâmetros, nos termos da lei”.

Considerando a ausência de disposição legal sobre a matéria, esse é um dos temas que revelam a necessidade de elaboração de acordos escritos e políticas claras acerca do trabalho remoto pelas empresas. A indicação do local de prestação de serviços e a devida fiscalização, por exemplo, poderá eximir a empresa na hipótese de acidente de trabalho em localidade diversa da indicada em contrato.

O segundo aspecto polêmico diz respeito à obrigatoriedade de fornecimento de infraestrutura necessária e adequada à prestação de serviços, como acesso à internet, energia elétrica, telefone, entre outros. O dispositivo legal que atualmente disciplina a matéria é o artigo 75-D da CLT — não modificado pela MP —, dispondo que no teletrabalho referidas utilidades devem estar previstas no contrato de trabalho ou aditivo contratual; não havendo disposição sobre a responsabilidade pelo fornecimento de tais insumos pelo empregador. De acordo com a lei, portanto, desde que mediante ajuste escrito, os custos podem ser divididos entre empregado e empregador ou, mesmo, custeados por apenas uma das partes.

Não obstante, há uma corrente doutrinária defendendo que, por tratar-se de ferramentas de trabalho, seus custos deveriam correr por conta do empregador em razão do princípio da alteridade, que deve reger a interpretação do artigo 75-D da CLT.

A expectativa agora é que, ao longo de sua tramitação, sejam realizadas alterações no texto original, para que haja a inclusão de temas não tratados e melhorias para que, de forma definitiva, a CLT traga segurança jurídica ao empresariado na adoção do teletrabalho.

Valéria Wessel S. Rangel de Paula – Sócia da área trabalhista do escritório Castro Barros Advogados

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-mp-do-teletrabalho-e-o-que-falta-esclarecer-13042022