Trabalhista
JOTA

Desafios jurídicos do regime híbrido de trabalho 

A legislação trabalhista não socorre muitos dos aspectos da dinâmica de trabalho erigida do novo normal

Muitas empresas, como as indústrias do Vale do Silício, pioneiras na adoção do home office no início da pandemia da Covid-19, sinalizaram que passarão a adotar o regime de trabalho híbrido: aquele prestado parcialmente na residência do empregado e parcialmente nas dependências da empresa. A busca aqui é pelo equilíbrio entre as atividades profissionais e pessoais, redução de espaços físicos e tempo de deslocamento, sem perder de vista a produtividade, criatividade, colaboração, saúde mental e socialização dos empregados, perdidos no trabalho realizado integralmente em casa.

A flexibilização dos regimes de trabalho traz novos desafios para além da Gestão de Recursos Humanos. Embora reconhecidos os esforços de modernização pela Reforma Trabalhista de 2017, o fato é que a legislação trabalhista não socorre muitos dos aspectos da dinâmica de trabalho erigida do novo normal, o que no Brasil causa enorme insegurança jurídica na adoção de novos modelos, em especial em relação ao regime híbrido de trabalho.

Diversos temas permanecem nuviosos, como controle da jornada de trabalho e horas extras, obrigatoriedade de fornecimento de equipamentos tecnológicos e infraestrutura necessária à prestação de serviços em regime híbrido.

Outras questões também fazem parte desse rol de dúvidas, como aquelas relacionadas à possibilidade de fiscalização das condições de trabalho na residência do empregado, inclusive para garantir condições ergonômicas adequadas, bem como a responsabilidade do empregador em decorrência de acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais no âmbito da residência.

Há algumas questões, no entanto, com respostas. O artigo 611-A da CLT, também incluído com a Reforma Trabalhista, dispõe que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando dispuserem, dentre outros, a respeito de pacto quanto à jornada de trabalho, modalidade de registro de jornada de trabalho e teletrabalho.

Logo, uma alternativa viável para mitigar riscos relacionados com o regime de trabalho flexível, abrandar a insegurança jurídica, é a negociação dos seus termos e condições em acordos ou convenções coletivas, mormente caso o artigo 611-A da CLT seja declarado constitucional pelo STF. Caso o sindicato se recuse a negociar, as empresas podem se valer do quanto disposto no parágrafo primeiro artigo 617 da CLT, que prevê a possibilidade de negociação direta com a correspondente federação a que estiver vinculado o sindicato e, na ausência dessa, à confederação.

Para os empregados hipersuficientes – aqueles portadores de diploma de nível superior e que percebem salário mensal igual ou superior a atualmente R$ 12.867,14 -, o parágrafo único do artigo 444 da CLT permite acordos individuais para tratar das matérias previstas no referido artigo 611-A. Ou seja, aplica-se a autonomia da vontade individual para negociar as regras relacionadas ao regime de trabalho híbrido.

Para empresas que optarem pela adoção do controle de jornada tanto na residência do empregado, quanto nas dependências do empregador, algumas alternativas são a estipulação de banco de horas e/ou a adoção de sistemas alternativos de controle da jornada de trabalho para os dias de trabalho em casa, desde que autorizados por convenção ou acordo coletivo de trabalho (cfr. regras da Portaria 373 do agora extinto Ministério do Trabalho e Emprego).

Em relação à responsabilidade pelo pagamento dos custos com o home office parcial, o deslinde deve ser analisado de forma casuística. Caso o empregado possa escolher se realizará o serviço em casa ou na empresa, por exemplo, não nos parece razoável exigir do empregador o fornecimento de equipamentos e infraestrutura para prestação dos serviços na residência do empregado, pois estarão à disposição deste no estabelecimento do empregador.

Na hipótese de ausência de imposição de regime híbrido, os custos podem estar incorporados ao salário pago, desde que isso esteja expressamente previsto em aditivo ao contrato de trabalho, por exemplo.

Diante da lacuna normativa relacionada ao tema, a palavra de ordem na adoção do regime de trabalho híbrido é a razoabilidade. A análise da realidade e necessidade de cada empresa será essencial para customização do modelo adequado, sendo crucial, qualquer que seja a tomada de decisão, que haja formalização e transparência no tocante às regras que serão adotadas, tanto em contrato ou aditivo ao contrato de trabalho, quanto em detalhada política interna.

VALÉRIA WESSEL S. RANGEL DE PAULA – Head da área trabalhista do Castro Barros Advogados e atua em questões de natureza trabalhista e previdenciária, na assessoria de empresas nacionais e estrangeiras.

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/desafios-juridicos-do-regime-hidrido-de-trabalho-13052021