Nova lei do teletrabalho: o que faltou?
Regulamentação falha ao não tratar da fiscalização na residência do empregado e a responsabilidade do empregador
A Medida Provisória nº 1.108/2022, que alterou alguns artigos sobre teletrabalho previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), foi aprovada pelo Congresso Nacional e, após muita expectativa, no dia 2 de setembro de 2022 foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro e convolada na Lei nº 14.442/2022.
O objetivo da MP foi disciplinar trabalho remoto, dando maior segurança jurídica para essa forma de trabalho, ajustando a legislação às necessidades dos novos modelos de trabalho.
Neste sentido, esperava-se que ao longo de sua tramitação fossem realizadas alterações no texto legal, para que fossem incluídos temas não tratados e introduzidas melhorias na redação. Todavia, tal não ocorreu. No que se refere ao teletrabalho, a lei foi sancionada sem vetos, e passou a regulamentar, agora de forma definitiva, essa modalidade de trabalho e o chamado regime híbrido.
Um dos pontos positivos da lei foi encerrar a discussão acerca dos conceitos de teletrabalho e de trabalho remoto para fins de aplicação das regras previstas na CLT, inclusive no que se refere ao controle de jornada, com a nova lei dispondo que o teletrabalho e o trabalho remoto são sinônimos para fins legais.
Conforme adiantado, o regime híbrido de trabalho também ganhou suporte legal e não será descaracterizado na hipótese de prevalência do trabalho presencial ao trabalho remoto e vice-versa.
A lei confirma a modificação do artigo 62, inciso III, da CLT, para dispor que apenas os empregados em teletrabalho que realizam serviço por produção ou tarefa estão desobrigados de marcar a jornada e receber horas extras. Portanto, todo empregado em regime de teletrabalho, trabalho remoto e/ou regime híbrido de trabalho, que não prestar serviços por produção ou tarefa – ou seja, que preste serviço por jornada determinada – deve ter o horário de trabalho controlado e ter direito a horas extras ou compensação de jornada por meio de banco de horas, desde que haja cumprimento da lei e/ou normas sindicais sobre a matéria.
Na hipótese de previsão contratual de prestação de serviços por produção e tarefa, importante ressaltar que, em virtude da aplicação do princípio da primazia da realidade, continuará prevalecendo a realidade fática em detrimento aos documentos escritos. Logo, a exemplo do caso de empregados externos, na hipótese de haver a possibilidade de controle da jornada de trabalho por qualquer meio informatizado ou se houver determinação de jornada de trabalho, os empregados que prestam serviços por produção e tarefa também terão direito a horas extras.
A nova lei também permite expressamente a adoção do regime de teletrabalho ou trabalho remoto para estagiários e aprendizes, assunto que vinha gerando insegurança e dificuldade no planejamento empresarial durante a pandemia.
O enquadramento sindical para empregados em trabalho remoto também foi regulamentado, confirmando-se que seguirá a base territorial do estabelecimento de lotação do empregado, ou seja, da sede do estabelecimento empresarial ao qual estiver vinculado contratualmente.
Além disso, a Lei nº 14.442/2022 acaba com as dúvidas a respeito da aplicação das normas brasileiras aos empregados contratados no Brasil que realizem o trabalho fora do território nacional.
Outra novidade foi a inserção do parágrafo terceiro ao art. 75-C, da CLT, dispondo que o empregador não será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, na hipótese de o empregado optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto (modalidades sinônimas) fora da localidade prevista no contrato, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.
Ademais, a nova lei trata sobre a prioridade que deve ser dada aos empregados com deficiência e aos empregados com filhos ou criança sob guarda judicial até quatro anos de idade na alocação de atividades em teletrabalho ou trabalho remoto.
Seguem inalterados os parágrafos primeiro e segundo do art. 75-C, da CLT, que dispõem que poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual, sendo que no caso de alteração do regime de teletrabalho para o presencial, por determinação do empregador, deve ser garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.
Lamentavelmente, a Lei nº 14.442/2022 não tratou de ao menos dois temas polêmicos relativos ao teletrabalho. O primeiro, relacionado à possibilidade de fiscalização das condições de trabalho na residência do empregado (inclusive, para garantir condições ergonômicas adequadas) e à responsabilidade do empregador em acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais na residência do empregado ou no local remoto de trabalho.
Apesar da inexistência de regulamentação a respeito do tema, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, por meio dos Enunciados 23 e 72, já se posicionou no sentido de que a “a mera subscrição, pelo trabalhador, de termo de responsabilidade em que se compromete a seguir as instruções fornecidas pelo empregador, previsto no art. 75-E, parágrafo único, da CLT, não exime o empregador de eventual responsabilidade por danos decorrentes dos riscos ambientais do teletrabalho”, bem como que “sempre que o teletrabalho for realizado no domicílio do trabalhador, a visita ao local de trabalho para fiscalização se dará: (i) com a anuência e presença do empregado ou de alguém por ele indicado; (ii) com objetivo de apenas controlar a atividade laboral, bem como os instrumentos de trabalho; (iii) em horário comercial; (iv) com respeito à intimidade e privacidade do empregado”.
O segundo tema não contemplado na lei diz respeito à obrigatoriedade de fornecimento de infraestrutura necessária e adequada à prestação de serviços, como acesso à internet, energia elétrica, telefone, entre outros.
O dispositivo legal que atualmente disciplina a matéria (art. 75-D da CLT) é objeto de divergência hermenêutica e de disparidade de aplicação do direito, motivo pelo qual mereceria algum reparo, mormente e razão da existência de uma corrente doutrinária que defende os custos das ferramentas de trabalho deveriam correr por conta do empregador, em razão do princípio da alteridade, enquanto outra defende o diametralmente oposto – que, mediante ajuste escrito, os custos poderiam ser divididos entre empregado e empregador ou custeados por apenas uma das partes.
Em conclusão, mesmo após a conversão da referida MP em lei e regulamentação de alguns temas sobre o teletrabalho, a elaboração de acordos escritos, políticas claras, bem como negociação das condições do teletrabalho em acordos ou convenções coletivas, conforme autorizado pelo art. 611-A, continuarão sendo instrumentos cruciais nas políticas empresariais para mitigar riscos trabalhistas sobre a matéria.
Valéria Wessel S. Rangel de Paula – Sócia da área trabalhista do escritório Castro Barros Advogados
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